quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dois poemas de Manuel Bandeira



OS SAPOS

Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqUenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


O ÚLTIMO POEMA

Assim eu quereria meu último poema
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.



Manuel Bandeira nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886. Ingressou em 1903 na Escola Politécnica, pretendendo tornar-se arquiteto; à noite estuda desenho e pintura com o arquiteto Domenico Rossi no Liceu de Artes e Ofícios. No final do ano de 1904, o fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro e em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades – Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim. Em 1917 publica seu primeiro livro, A cinza das horas, numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor. Depois disso, sua obra se expande em vias diversas: além da poesia, cultiva a crônica e o ensaio. Dos títulos vale citar Carnaval, Libertinagem, Estrela da manhã (poesia), Crônicas da província do Brasil, Andorinha, Andorinha (crônica), Apresentação da poesia brasileira, História das literaturas, Itinerário de Pasárgada (ensaio). Bandeira morreu em 13 de outubro de 1968. 

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