sábado, 9 de outubro de 2010

Mar novo

1

E a embarcação aparecia como um barco de recreio. 
Do pescador a musculatura dolorosamente suada 
merecia uma simples pincelada 
de silhueta negra 
impressionismo fácil 
afirmação exótica de que o dongo 
não andava sozinho. 

2

Mas é novo este azul    tela rasgada 
é novo o nosso olhar. 
É nova esta forma gestual de espuma 
feita sabor de amor de guerra e de vitória 
em nossas bocas férteis em nossa pálpebras 
de antigo medo clandestino 
soletrando a lágrima 
quando era o nosso mar recordação também 
escravizada: 
caminho secular de ir e não vir.

3

É nova esta areia 
este marulhar de fogo nos ouvidos 
quase notícia do rebentamento maior 
sobre o inimigo. 
É novo este calor como se o sol 
fosse um ananás coletivo suculento 
rasgado pelos dedos da madrugada mais quente 
e mais suave.

4

E é bom medir a água evaporada 
sobre a concha 
a alga 
a rocha. 
Medir também teu corpo natural 
onde encontrar a boca 
os pés 
os olhos 
a palavra.

5

E é bom verificar as mãos. Principalmente 
as nossas mãos umedecidas pelo mar. 
As mãos que tocam as coisas 
As mãos que fazem as coisas 
As mãos. As mãos terminal de carga 
e de descarga do nosso pensamento 
As mãos mergulhadas sob a água. 
na (re)descoberta tímida das essências 
no pulsar submarino de uma nova esperança. 

6

Tudo é fugaz 
entre o desenho do teu pé na areia 
e a onda que desfaz 
a marca 

Entre a guerra e a paz 
retorno fisicamente o poema      a onda 
constante meditação primeira. 

Nós e as coisas.

Nada permanece que não seja 
para a necessária mudança. 
 Que o diga o mar.

 

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Do livro Cinco vezes onze - poemas em novembro




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