quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Três poemas de Augusto dos Anjos



VERSOS ÍNTIMOS

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável 

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!



PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


O MARTÍRIO DO ARTISTA

Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!

Tarda-lhe a ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!

Tenta chorar e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz e na que ardente o lavra

Febre de em vão falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!


Augusto dos Anjos nasceu no dia 20 de abril de 1884 no Engenho Pau d’Arco, interior da Paraíba. Começou sua formação escolar no Liceu Paraibano Joaquim Nabuco, quando começa a publicar em jornais suas primeiras composições: em 1902, por exemplo, aparece no jornal O comércio poemas como “Soneto” e “Cítara mística”, fortemente influenciados pela estética simbolista. A partir de então todas as publicações do poeta será através desse suporte já que só muito tardiamente conseguirá, a duras penas, financiar a publicação de seu único livro – Eu (1912). Foi aluno da Faculdade de Direito do Recife, professor de literatura no Liceu Paraibano, professor de Geografia na Escola Normal e no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Morreu em 12 de novembro de 1914 em Leopoldina, Minas Gerais, onde acabava de ocupar a função de diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira.