sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Dois poemas de John Donne



O TRIPLO LOUCO

Sou dois loucos, confesso,
Por amar e, possesso,
Confessá-lo em meu verso.
Mas quem não quereria estar em mim
Se ela dissesse sim?
Como os sulcos que o mar na areia grava
Purgam do sal amargo a sua água,
Julguei que, ao espremer a minha mágoa
Nas comportas do verso, a afogava.
É menos dor, domada pela rima,
A dor que pelos números se exprima.

Mas alguém, logo após,
Para exibir a voz
Com arte e com destreza,
Vai libertar de novo essa tristeza
No anel dos versos presa.
Amor e dor em verso são prezados,
Mas não quando escutam com prazer.
Ambos crescem ao ver
Seus triunfos, assim, patenteados,
E eu, que fui dois loucos de uma vez,
Três vezes vivo a minha insensatez.


MAGIA PELA IMAGEM

Fixo meu olho no teu olho e flagro uma
Sombra de mim queimando no teu olho.
Meu retrato afogado numa lágrima
Logo abaixo recolho.
Se entendesses de imagens e magias,
Com minha imagem nas pupilas frias,
De quantos modos tu me matarias?

Tuas lágrimas sorvo, doce humor,
E ainda que outras caiam, vou deixar-te;
Meu retrato se esvai, vai-se o temor
De ser enfeitiçado por tal arte;
Só reténs, afinal,
Minha imagem num único local:
Teu coração, livre de todo o mal.


John Donne nasceu em Londres, em 1572 e morreu em 1631. É autor de uma vasta obra que inclui sonetos, poemas de amor e religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções, sátiras e sermões. 

* Traduções de Augusto de Campos