sexta-feira, 29 de julho de 2011

Três poemas de Vitorino Nemésio



O BICHO HARMONIOSO

Eu gostava de ter um alto destino de poeta,
Daqueles cuja tristeza agrava os adolescentes
E as raparigas que os lêem quando eles já são tão leves
Que passam a tarde numa estrela,
A força do calor na bica de uma fonte
E a noite no mar ou no risco dos pirilampos.

Assim, gloriosos mas sem porta a que se bata,
Abstractos mas vivos,
Rarefeitos mas com hálito nebuloso nas narinas dos animais,
Insinuado nos lenços das mulheres belas, cheios de lágrimas,
Misturado às ervas grossas da chuva
E indispensável aos heróis que vão rasgar no céu, enfim, o último sulco.

Ser a vida e não ter já vida – era um destino.

Depois, dar a minha Mãe a glória de me ter tido,
A meu Pai, vendado de terra, um halo de minha luz, e tocar tudo,
Onde eu houvesse estado, de uma sagração natural:
Não digo como as Virgens Aparecidas,
Que tornam mudos e radiosos os pastorinhos,
Mas como certo orvalho de que me lembro, em pequeno,
Para lá da janela a luz cortada por chuva,
E uma prima que amei, a rir, molhada, chegando;
Mar ao fundo.

Tudo isto, e vontade de dormir, também em pequenino,
E logo uma mão de mulher pronta a fingir de asa aberta,
E preguiça,
Impressão de morrer do primeiro desgosto de amor
E de ir, vogando, num negrume que afinal é toda a luz que nos fica
Desse amor forrado de desgosto,
Como as estrelas encobertas,
Que, depois de girar a nuvem, mostram como estão altas:
Tudo isto seria aquele poeta que não sou,
Feito graça e memória,
Separado de mim e do meu bafo individualmente podre,
Livre das minhas pretensões e desta noite carcomida
Pelo meu ser voraz que se explora e ilumina.

Mas não. Do canto necessário
Para me diluir em som e no ar que o guardasse
(Como o nervo do degolado alonga em tremor seu pasmo)
Não chego a soltar senão uma vaga nota,
E a noite faz muito bem em vergar uma gruta sem ecos
No meu buraco vil de bicho harmonioso.

Deixarei, estampada pelo silêncio definitivo,
A ramagem fremente dos meus dedos num pouco de terra,
Estranho fóssil!


A CONCHA

A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.

E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.

A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória.


ARTE POÉTICA

A poesia do abstracto?
Talvez.
Mas um pouco de calor,
A exaltação de cada momento,
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor!
Uma ideia,
Só como sangue de problema:
No mais, não.
Não me interessa.

Uma ideia
Vale como promessa,
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
E uma pergunta é dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
Secura.
Perde;
E diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o concreto
São propriamente poesia.
Poesia é outra coisa.

Poesia e abstracto, não.



Vitorino Nemésio nasceu em Praia da Vitória a 19 de dezembro de 1901. Escreveu poesia e prosa (romance, crônica, textos acadêmicos). Sua obra está entre as responsáveis pelas transformações de tendências da revista Presença. Fortemente marcado pelas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da infância. Dos livros de poesia, podemos citar, entre outros, O bicho harmonioso, seu primeiro título nesse gênero, de 1938, Nem toda a noite a vida (1935), O verbo e a morte (1959), Poemas brasileiros (1972) e Meu coração é como peixe cego (1942). Morreu a 20 de fevereiro de 1978.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Duas coisas sobre o Caderno-revista 7faces


1. A 3ª edição, prevista para ter lançamento agora em meados de julho, não mais ocorrerá no prazo acordado. Com o atraso do lançamento da edição especial - que estava prevista para vir a lume em 18 de junho e só foi posta online no último dia 14, bem como todo o trabalho para a sessão de lançamento dessa edição - divulgação e outros trâmites -, fez com que tudo o que viesse depois disso fosse também adiado. Somente agora é que começamos a leitura da leva de materiais encaminhados. Não esqueçam os leitores que todo o processo que cabe a organização de uma revista é feito por uma única pessoa: Pedro Fernandes. A 3ª edição deve chegar em meados de agosto. E em meados de agosto também sai a chamada para envio de trabalhos para a 4ª edição.

2. A outra novidade é que, com a possibilidade de downloads oferecida agora pela plataforma ISSUU, deixaremos de apostar na publicação na 4Shared. O dispositivo nessa plataforma estará extinto e as edições só poderão ser baixadas agora integralmente, sem essa de arquivos individuais. Tudo em nome de menos burocracia e mais qualidade. Na página do Caderno-revista, o leitor tem acesso às edições pelo menu estante.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Está online a edição especial do Caderno-revista 7faces sobre a obra poética de José Saramago

Por Pedro Fernandes



Numa sessão realizada ontem, 14 de julho de 2011, no Auditório da Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte, em Mossoró, foi lançada uma edição especial do Caderno-revista 7faces. A sessão que teve início ainda pelas 18h, no hall da biblioteca, ao som fabuloso do grupo de músicos do Projeto ECOARTE, foi realizada em parceria com a apresentação de outra revista eletrônica: a Cruviana; com gravação do programa Pedagogia da Gestão para a TV a Cabo de Mossoró (TCM). 

O desfecho desse momento se deu com um agradável bate-papo entre Pedro Fernandes (professor e editor deste blog e do Caderno-revista), José de Paiva Rebouças (jornalista e editor da Cruviana), Clauder Arcanjo (professor, poeta e editor da Sarau das Letras), Ivanúcia Lopes (jornalista, blogueira e autora de um dos textos publicados na edição da Cruviana), Esdras Marchezan (professor) e Anchieta Rolim (artista plástico). Tudo regado aos versos do poeta Antonio Francisco.

***

O número do Caderno-revista 7faces apresentado marca um desvio no curso do projeto, cuja preocupação está em publicar poesia. A edição ora lançada é acadêmica. Mas, como tudo tem justificativa, o desvio aí operado foi por uma boa causa.

Desde junho de 2010, quando da morte do escritor José Saramago, uma série de ideias me veio à cabeça no intuito de, como leitor da sua obra, ampliar a solidificação do pensamento daquele que, particularmente, considero o maior escritor em Língua Portuguesa depois de Fernando Pessoa e Camões.

Influenciado, certamente que fui, pela leva de cadernos especiais que jornais do mundo inteiro produziram em torno da biografia e da obra do escritor português, a primeira desta série de ideias foi também a organização de um material semelhante. É verdade que, o interesse em organizar um número acadêmico, fosse revista, fosse livro, surge mesmo quando depois de setembro de 2008 voltei do XXII Congresso Internacional de Professores de Literatura Portuguesa. Desde então, a ideia foi gestada e se concretiza na elaboração de um número do Caderno-revisto. Se o interesse desse periódico é pela poesia, logo pensei, por que não uma edição acadêmica sobre a face menos conhecida – principalmente cá no Brasil – do José Saramago: a do poeta. O desafio estava lançado.

Durante esse intervalo de um ano as outras ideias foram ganhando forma e se apresentadas como amálgamas para essa ideia maior. É daí, por exemplo, que nasce o projeto-blog Um caderno para Saramago, os cursos Diagnósticos do presente em José Saramago, Chico Buarque e Jorge Reis-Sá Um universo de José Saramago – paisagens e o concurso Uma página para Saramago. Tudo intercalado por um dos momentos mais significativos da minha carreira acadêmica, até agora, que foi a escrita de minha dissertação de mestrado que, adivinhem, versava também sobre José Saramago.

A edição especial do Caderno-revista 7faces teve uma recepção muito boa desde quando lancei os convites aos professores para comporem um conselho editorial para a revista. Deixo registrado o agradecimento primeiro a eles. É do trabalho deles que essa edição vai se formando: a Professora Aurora Gedra R. Alvarez (Universidade Presbiteriana Mackenzie), o Professor Carlos Reis (Universidade Aberta de Lisboa) – que inclusive assina o prefácio da revista –, a Professora Conceição Flores (UnP), o Professor José Rodrigues de Paiva (UFPE), o Professor Gerson Luiz Roani (UFU), a Professora Maria Edileuza da Costa (UERN), o Professor Márcio Muniz (UFFS), o Professor Márcio de Lima Dantas (UFRN) e o Professor Miguel Alberto Koleff (Universidad Católica de Córdoba).

Deixo o agradecimento ainda a todos os que submeteram seus ensaios. Dos textos recebidos, alguns não puderam entrar porque estava claro aquilo que eu buscava: qualidade na escrita e na leitura empreendida pelos ensaístas. Dos ensaístas agradeço em particular o Professor Fernando J. B. Martinho (Universidade de Lisboa) e concomitantemente a Fundação Calouste Gulbenkian pela sessão do texto que ora abre a edição.

Depois ao Instituto Camões e a equipe da revista Veredas pela sessão do texto da Professora Luciana Stegagno Picchio que fecha este número. Luciana Stegagno Picchio, é sim, o nome em memória a que esta edição é dedicada. As razões para isso o leitor deve se inteirar na nota que postei ao fim do texto da professora. Agradecimento ainda à Biblioteca Nacional de Lisboa por liberar a publicação dos inéditos de José Saramago que se apresentam no encarte elaborado para esta edição. Agradecimento aos artistas plásticos que enviaram ou cederam a publicação de materiais para ilustrar a edição. É o trabalho deles que quebra a secura do academicismo que ronda uma edição do tipo.

Acesse a edição aqui.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Programação final de apresentação da edição do Caderno-revista 7faces sobre a obra poética de José Saramago



O evento será no próximo dia 14, no auditório da Biblioteca Municipal Ney Pontes Duarte, situada à Praça Dorian Jorge Freire, s/n, Mossoró.

O acontecimento se dá entre uma série de atividades marcadas para as 19h: além da edição do Caderno-revista 7faces, será apresentado o primeiro número da revista de contos, Cruviana e durante a sessão será gravado uma edição especial do programa Pedagogia da Gestão para o canal 10 da TV a Cabo de Mossoró (TCM). 

Estarão presentes o editor do Caderno-revista 7faces, Pedro Fernandes, o editor da revista Cruviana, o jornalista José de Paiva Rebouças, o professor Esdras Marchezan e o poeta e contista Clauder Arcanjo. A sessão tem entrada franca, sujeito a lotação do auditório.

A edição sobre a obra poética de José Saramago traz com ensaios de autores brasileiros, portugueses e argentinos.