terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Dois poemas de Adolfo Casais Monteiro




COMO SE FOSSE CADA VEZ UM VENENO NOVO

A tua morte é sempre nova em mim.
Não amadurece. Não tem fim.
Se ergo os olhos dum livro, de repente
tu morreste.
Acordo, e tu morreste.
Sempre, cada dia, cada instante,
a tua morte é nova em mim,
sempre impossível.

E assim, até à noite final
irás morrendo a cada instante
da vida que ficou fingindo vida.
Redescubro a tua morte como outros
redescobrem o amor,
porque em cada lugar, cada momento,
tu estás viva.

Viverei até à hora derradeira a tua morte.
Aos goles, lentos goles. Como se fosse
cada vez um veneno novo.
Não é tanto a saudade que dói, mas o remorso.
O remorso de todo o perdido em nossa vida,
coisas de antes e depois, coisas de nunca,
palavras mudas para sempre, um gesto
que sem remédio jamais teve destino,
o olhar que procura e nunca tem resposta.

O único presente verdadeiro é teres partido.

POETA

Poeta: uma criança em frente do papel.
Poema: os jogos inocentes,
Invenções do menino aborrecido e só.
A pena joga com palavras ocas,
Atira-as ao ar a ver se ganha ao jogo.
Os dados caem: são o poema. Ganhou.

Adolfo Casais Monteiro nasceu a 4 de julho de 1904 no Porto. Foi poeta, tradutor e crítico e prosador. Afastado das funções como professor e presos por diversas vezes por motivos políticos, exilou-se no Brasil. Foi diretor da revista Presença juntamente com José Régio e João Gaspar Simões; atuou ainda como colaborador com a revista de cinema Movimento, Sudoeste, Prisma, Variante e Litoral. Casais Monteiro morreu a 24 de julho de 1972 em São Paulo.