segunda-feira, 20 de junho de 2011

Dois poemas de Óssip Mandelstam



A CONCHA

Talvez não precises de mim, 
Noite; da mundial voragem 
Tal como a concha sem pérolas, 
A tua margem fui lançado. 

Tu espumas as ondas com indiferença 
E cantas com teimosia, 
Mas terás apreço, amarás 
Da concha a inútil mentira. 

Ao seu lado deitarás na areia, 
Com sua casula te vestirás, 
Um indestrutível e grande sino 
Com ela na marola erguerás. 

E as paredes da frágil concha, 
Como a casa de vazio coração 
Encherás com os sussurros da espuma, 
Com a chuva, o vento e a bruma...


LENINGRADO

Regressei a minha cidade, conhecida até às lágrimas, 
Até as veias, as inflamadas glândulas das crianças. 

Tu regressaste para cá, então bebe de um gole 
O óleo de peixe dos faróis fluviais de Leningrado. 

Descubra logo o pequeno dia de dezembro, 
Onde a gema mistura-se ao funesto breu. 

Petersburgo! Eu ainda não quero morrer: 
Tu ainda tens de meus telefones os números. 

Petersburgo! Ainda tenho os endereços, 
Pelos quais acharei as vozes dos mortos. 

Vivo na escada de fora, e na têmpora 
Me golpeia a campainha brutalmente sacada. 

E por toda noite aguardo visitas queridas, 
Chacoalhando as correntes das portas.

Óssip Mandelstam nasceu a 15 de janeiro de 1891 em Varsóvia. Muito cedo foi viver em São Petersburgo; na cidade, estuda na prestigiosa Escola Tênichev. Faz parte da sua formação em literatura em Heidelberg, na Alemanha e em filosofia na Universidade de São Petersburgo, mas não consegue completar o curso superior. Em 1911 mantém relações com o Guilda dos Poetas, grupo literário que daria origem ao movimento acmeísta e revelou a poeta Anna Akhmátova. Sua estreia na poesia se dá dois anos depois com o livro Pedra; em 1922, publica Tristia, logo reconhecido um dos mais importes livros da poesia russa. Além da poesia, Mandelstam também escreveu prosa, como O rumor do tempo (1925). O ano de 1928 foi, para ele, o dos prodígios: reeditou seu livro de 1925 e publicou Teodósia, A marca egípcia e Sobre a poesia; reuniu toda sua obra poética em Poemas; e iniciou a escrita de Quarta prosa, livro que ficou inédito. Morreu a 27 de dezembro de 1938 na prisão aos arredores de Vladivostok.



 * Traduções de Francisco Araújo. Estas poemas foram publicados inicialmente na revista Desenredos, de jan.-março de 2010.