sábado, 25 de agosto de 2012

Três poemas de Camilo Pessanha






...e lhe regou de lágrimas os pés e os
enxugou com os cabelos da sua cabeça.
        
Evangelho de S. Lucas.
   

Ó Madalena, ó cabelos de rastos,
Lírio poluído, branca flor inútil,
Meu coração, velha moeda fútil,
E sem relevo, os caracteres gastos,
       
De resignar-se torpemente dúctil,
Desespero, nudez de seios castos,
Quem também fosse, ó cabelos de rastos,
Ensanguentado, enxovalhado, inútil,
         
Dentro do peito, abominável cómico!
Morrer tranquilo, — o fastídio da cama.
Ó redenção do mármore anatómico,
           
Amargura, nudez de seios castos!...
Sangrar, poluir-se, ir de rastos na lama,
Ó Madalena, ó cabelos de rastos!


*

Imagens que passais pela retina 
Dos meus olhos, porque não vos fixais? 
Que passais como a água cristalina 
Por uma fonte para nunca mais!… 

Ou para o lago escuro onde termina 
Vosso curso, silente de juncais, 
E o vago medo angustioso domina, 
— Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos? 
— O espelho inútil, meus olhos pagãos! 
Aridez de sucessivos desertos… 

Fica sequer, sombra das minhas mãos, 
Flexão casual de meus dedos incertos, 
— Estranha sombra em movimentos vãos.

*

O meu coração desce
Um balão apagado...
— Melhor fora que ardesse,
Nas trevas, incendiado.

Na bruma fastidienta,
Como um caixão à cova...
— Porque antes não rebenta
De dor violenta e nova?!

Que apego ainda o sustém?
Átomo miserando...
— Se o esmagasse o trem
Dum comboio arquejando!...

O inane, vil despojo
Da alma egoísta e fraca!
Trouxesse-o o mar de rojo,
Levasse-o na ressaca.


Camilo Pessanha nasceu a 7 de setembro de 1867, em Coimbra. Um dos nomes mais importantes do simbolismo na literatura portuguesa, sua obra serviu a importantes outros poetas de seu país, como Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Formado em Direito na Universidade de Coimbra, deixou a cidade para atuar primeiro em Óbidos e depois em Macau, onde, foi professor de filosofia, conservador do registo predial e depois juiz de comarca. Ainda regressou a Portugal algumas vezes, mas, foi na província portuguesa no Oriente onde passou o resto da vida até 1.º de março de 1926. Seu principal livro é Clepsidra, publicado em 1920. Deixou ainda ensaios, contos, crônicas e poemas esparsos.

      

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