sábado, 29 de setembro de 2012

O novo exercício escritural de Vernaide Wanderley




Está certo que um escritor completo é aquele que, mesmo se destacando num determinado gênero literário tem a capacidade de transitar livremente por outros gêneros. A poeta Vernaide Wanderley, que aparece na quarta edição do caderno-revista 7faces, traz ao público pela Editora Patuá seu novo livro: um romance, As raízes que invadiram a casa.

O livro cria e dá voz a personagens do espaço interiorano brasileiro e do mundo da cidade grande. No percurso da trama tal fato provoca uma convivência profundamente interessante, à medida que cada um deles se expressa e sente com uma carga sociocultural bastante peculiar.

As situações amorosas das personagens centrais ocorrem carregadas de um erotismo, suficiente para colocar o livro no rol dos livros eróticos. Entretanto, o leitor vai observar que, em todas as passagens, este erotismo se apresenta permeado por um forte lirismo – certamente herança do traço poético da autora.

A ilustração da capa e o projeto gráfico sempre impecável da Editora Patuá 

O lançamento está marcado para acontecer durante a 8ª Festa Literária Internacional de Pernambuco (FLIPORTO), que acontece em Olinda, entre os dias 15 e 18 de novembro deste ano. O livro, no entanto, já está sendo comercializado pelo site da editora, aqui.

Vernaide é de Patos, Paraíba e em meados da década de 1960 mudou-se para o Recife, onde fincou suas raízes e mora até hoje. É graduada em História Natural – Biologia,  Faculdade de Filosofia do Recife; mestre em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco e doutorado na mesma área pela Universidade Paulista de Rio Claro. Participou do grupo que reabriu a União Brasileira de Escritores em Pernambuco, em 1985, instituição na qual geriu por três mandatos. Um de seus trabalhos mais elogiados pela crítica é seu livro Litorgia ou poemas com rimas vermelhas.

Para ler os poemas de Vernaide Wanderley publicados na 4ª edição do caderno-revista 7faces, basta ir por aqui.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Três poemas de Vernaide Wanderley


Semanas de colheita

Alegrias rolaram
sobre torçais do cinto,
alegoria e festas profanas
inundando meu colo de vermelho.

Guardemos a chama
desta quarta feira e grãos
que caírem agora, sazonado tempo,
selecionado tempo,
para que todos completem
seu bornal.

Passo a ter excessivo zelo
quando toco peças da escrivaninha,
seus papéis
e textos semi abertos,
porque é preciso cultivar
um rosto e uma alma
que enfrentem novamente as ruas,
saber finda a estação de escolha
e que vidrilhos serão sombra para mim.


Redemoinhos de luz

Brancos seixos
molhavam de prata
o negror do caminho,
mas eu sentia medo
do chão contorcido,
pisado por homens e mitos
que saltavam da memória.

Pingentes de estrelas
faziam-me fada ou princesa,
presa na mão de um quixote
de calças curtas e esporas,
chutando os seixos de prata
que o rio mais cedo rolou
e escondeu no seu dorso vazio.


Uma canção e um pecado

Gingas, em sono,
belo lutador sem armas,
bailarino noturno
que abraça as almofadas,
sonha nesta cantiga
para que meus dedos ouçam
a quietude de teus nervos,
para que eu veja
estampados no teu dorso,
pecados inconfessos de ontem.


* Os poemas foram publicados inicialmente no Facebook da poeta.

sábado, 22 de setembro de 2012

Dois poemas de Francis Ponge




A BORBOLETA 

Quando o açúcar elaborado nos talos surge no fundo das flores, como em xícaras mal lavadas - um grande esforço se produz no solo de onde, súbito, as borboletas alçam voo.

Porém, como cada lagarta teve a cabeça ofuscada e enegrecida, e o torso adelgaçado pela verdadeira explosão de onde as asas simétricas flamejaram,

Desde então, a borboleta errática só pousa ao acaso do percurso, ou quase isso.     

Fósforo voejante, sua chama não é contagiosa. E, além do mais, ela chega muito tarde e pode apenas constatar as flores desabrochadas. Não importa: comportando-se como acendedora de lâmpadas, verifica a provisão de óleo de cada uma. Pousa no cimo das flores o farrapo atrofiado que carrega, e vinga assim sua longa humilhação amorfa de lagarta ao pé dos caules.

Minúsculo veleiro dos ares maltratado pelo vento como pétala superfetatória, ela vagabundeia pelo jardim. 


A MIMOSA 
(excerto)

Sobre um fundo azul, aqui está ela: como um personagem da comédia italiana, com uma pitada de histrionismo estrambótico, empoada como Pierrô, com gravata de bolinha amarelinha, a mimosa.

Mas não se trata de um arbusto lunar: é antes solar, multissolar...

Um caráter de uma ingênua gloriazinha, logo desalentada.

Cada grão não é de modo algum liso, mas formado de pêlos aveludados; um astro, se preferirem, estrelado ao máximo.

As folhas têm um quê de grandes plumas, e no entanto muito carregadas de si próprias; mais enternecedoras portanto que outras palmas, e por isso também bastante distintas. E no entanto há qualquer coisa de realmente vulgar na idéia de mimosa; é uma flor que acaba de se tornar vulgarizada.

Como em tramaga há trama, em mimosa há mimo.


Francis Ponge nasceu no dia 27 de março de 1899 em Nîmes, sul da França. Estudou Direito e Filosofia. No início dos anos 1920 integrou a revista Le Mouton Blanc, onde publicou seus primeiros poemas curtos e satíricos. Já na famosa editora Gallimard, Jean Paulhan foi responsável pela publicação dos três primeiros livros do poeta: Douze petits écrits (1926), Le parti pris des choses (1942) e Proêmes (1948). Autor de vasta obra e admirado por extensa parte dos intelectuais franceses, como Jean Paul-Sartre, quem cunhou o conceito de “fenomenologia poética” a partir da obra de Ponge. O poeta morreu em 6 de agosto de 1988 em Le Bar-sur-Loup.

* Tradução do primeiro poema de Adalberto Müller; do segundo, dele em parceria com Carlos Loria.

sábado, 15 de setembro de 2012

Dois poemas de Bocage



Retrato próprio 

Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno.

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura,
Bebendo em níveas mãos por taça escura
De zelos infernais letal veneno.

Devoto incensador de mil deidades,
(Digo, de moças mil) num só momento
E somente no altar amando os frades:

Eis Bocage, em quem luz algum talento.
Saíram dele mesmo estas verdades
Num dia, em que se achou mais pachorrento.


Recreios campestres na companhia de Marília

Olha Marília, as flautas dos pastores
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali beijando-se os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha pára,
Ora nos ares sussurrando gira:

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira,
Mas tristeza que a morte me causara.

Manuel Maria du Bocage nasceu em Setúbal em 15 de setembro de 1765 e morreu em Lisboa, em 21 de dezembro de 1805. É reconhecidamente um dos nomes mais significativos do Arcadismo português, mas sua obra o insere entre uma zona de transição entre este movimento e o romantismo. Escreveu poemas que foram reunidos em títulos como Elegia, Improvisos de Bocage e Mágoas Amorosas de Elmano. Atualmente pode-se encontrá-las em Opera Omnia, Poesias (lírica, sátira e poesia erótica) e Poesias de Bocage.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Cinco poemas de Gastão Cruz




LINHA

É menos o que lembro que
o que esqueço Sobre
a linha febril onde o presente
desaparece imerso na luz frágil do sono

(de tanto interrogar esta hora que esgota
a ilusão da noite
movo os olhos abertos entre as
formas procurando a mudança)

confundo com a sombra, em que apareço
por momentos real,
o meu corpo Pareço-me

comigo noutro quarto A realidade
invade o céu A luz
desmoronou o cérebro, castelo

* De revista A Phala, edição n. 14, abril-junho de 1989.


SOM DA LINGUAGEM

Por vezes reaprendo
o som inesquecível da linguagem
Há muito desligadas
formam frases instáveis as

palavras
Aos excessos do céu cede o silêncio
as constelações caem vitimadas
pelo eco da fala

* De Câmpanula


RELATÓRIO EM FORMA FECHADA

Os estragos da noite foram vastos,
inversos ao pulsar da primavera:
há tempo em que se luta pelos gastos
rastos da vida e o tempo novo gera

desilusão somente, esse viscoso
correr da insónia como se já água
as lágrimas não fossem e no fosso
há pouco aberto qualquer outra água

de natureza opaca suspendesse
a sua interminável queda; voltas
por fim à noite espessa que já tece
a madrugada com as linhas soltas

da minha vida, versos que transformam
em realidade as sílabas que os formam

* De A moeda do tempo


5

Tornara-se perfeita a coincidência:
sobre a mesa puseras os braços e subia
o teu olhar; ameaçavas mas eras
o ser ameaçado, por um tiro talvez;
nesse momento não podias
nem mesmo suspeitar de como era tão breve
a personagem
de que não te separaras

* De Fogo 


Autor de uma obra que aparece ligada ao coletivo Poesia 61 e destacado entre os principais nomes da poesia de língua portuguesa, Gastão Cruz também exerceu sua atividade literária na prosa e no teatro, além de escrever crítica e se dedicar ao trabalho da tradução. Na poesia, é o autor de mais de duas dezenas de títulos; Campânula, Órgão de luzes, As pedras negras, A moeda do tempo, Observação do verão, Fogo, Óxido e Existência são alguns desses livros. No teatro, foi um dos fundadores do Grupo de Teatro Hoje, para o qual encenou obras de Camus, Tchekhov e Carlos de Oliveira. E, como tradutor, trouxe ao português obras de autores como William Blake, Jean Cocteau e Shakespeare. Sua longa trajetória dedicada às letras obteve alguns importantes reconhecimentos em seu país, como o Grande Prêmio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, o Prêmio D. Dinis e Prêmio Correntes d’Escrita. Formado em Filologia Germânica pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Gastão Cruz nasceu em Faro a 20 de julho de 1941 e morreu em Lisboa no dia 20 de março de 2022.

1 poema de José Agostinho Baptista




Sê quem me lê,
decifrador de enigmas.

Folheia-me como a uma árvore de folhas soltas,
se é outono.

Todas as palavras mentem, no interior da sua
obscuridade.
Nada te prende ao verso,
aos seus ínvios caminhos,
às suas seduções de velha prostituta.

Que não cedas a essa luz de remotas lantejoulas,
às flores vivas que segura.

No intervalo das fontes,
nas imediações do rio, temível é a palavra,
a cólera de deus.

Se desceres os últimos degraus,
escutarás essa voz que ecoa nos labirintos e depois
só o fio através das cisternas –

ou talvez nas montanhas de fogo não suportarás
a claridade,
queimada de presságios.

Não oiças, não olhes:
ferem-te as palavras do deus e as suas garras de tigre
nos muros de um coração que não o teu:

devorado já pelas páginas que lês,
desprendendo-se das folhas e do outono,
batendo devagar

..........................
Poema publicado inicialmente na Revista A Phala, edição 1, abril-junho de 1986, p.4

Dois poemas de Florbela Espanca



Languidez

Tardes de minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza, d'açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d'Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas bemditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quási pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha bôca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonhos pelo ar...


Poetas

Ai as almas dos poetas
Não as entende ninguém;
São almas de violetas
Que são poetas também.

Andam perdidas na vida,
Como as estrelas no ar;
Sentem o vento gemer
Ouvem as rosas chorar!

Só quem embala no peito
Dores amargas e secretas
É que em noites de luar
Pode entender os poetas.

E eu que arrasto amarguras
Que nunca arrastou ninguém
Tenho alma pra sentir
A dos poetas também!


Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa, Alentejo, em 8 de dezembro de 1894. A produções poética dos anos 1915 a 1917 foi escrita para um único livro que chamou de Trocando olhares; desta obra, uma parte daria origem a O livro d’ele, título que não foi se concretizar. De poesia  publicou Livro de mágoas (1919), Livro de Soror Saudade (1923), Reliquiae (1931), Charneca em flor (1929) e Dominó negro (1931). Também escreveu prosa. Florbela suicidou-se no dia do seu aniversário em 1890, em Matosinhos. 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

2 poemas de Charles Olson




Exaltações

Ela que teve mais da metade de seu corpo queimado
                                                                            escapou da morte
Observando
que há cinco figuras sólidas, o Mestre
(ou como relata Aetius, no Placita)
concluiu que
a Esfera do Universo ergue-se
do dodecaedro

de onde Alexandre
aparecendo em um sonho para Antiochus
mostrou-lhe
E no dia seguinte, o inimigo (os gálatas)
escapou diante disso,
antes da canção, isto é


The praises

She who was burned more than half her body
                                                           skipped  out of death
Observing
That there are five solid figures, the Master
(or so Aetius reports, in the Placita)
concluded that
the Sphere of the Universe arose from
the dodecahedron
whence Alexander 

appearing in a dream to Antiochus
show him
And on the morrow, the enemy (the Galates)
ran before it,
before the sing,  that is


Um peixe é a flor da água

Você que segue Henry Thoreau
cuidado

Evite largar a vida num canto
e achar de acuá-la
Ela escapará de fino como qualquer moça

Homens curiosamente fastiosos
comem carne de rato-almiscarado


A fish is the flower of water

You who followed Henry Thoreau
beware

Forbear to drive life into a corner
and think to trap her
She will slip way like any girl

Men curiously without appetite
want wild muskrat meat

 ............................
Publicado inicialmente na Revista ZUNÁI. A tradução para o primeiro poema é de Adriana Zapparoli e para o segundo é de Ruy Vasconcelos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

2 poemas de William Carlos Williams



O vaso de flores

Rosa confundido ao branco 
flores e flores reversas
recolhem e derramam a flama velada
atirando-a de volta
cornucópia da lâmpada

pétalas obscurecidas de través com malva

vermelho onde em volutas
cada pétala põe seu fulgor sobre outra pétala
volta de gargantas flamiverdes
pétalas radiantes de luz transverberada
pelejando
           no alto
as folhas
estirando o seu verde acanhado
para fora da borda do vaso

e eis ali o vaso, de todo obscuro
garrido em sua capa de musgo.


O direito de passagem

Transitando com a idéia posta
em nada deste mundo

a não ser o direito de passagem
eu desfruto a estrada por

efeito de lei 
vi

um homem de idade
que sorriu e desviou o olhar

para o norte, além de uma casa 
uma mulher de azul

que estava rindo e se
inclinando para a frente

a fim de olhar o rosto meio
voltado do homem

e um menino de uns oito anos que
olhava para o meio da

barriga do homem
para uma corrente de relógio 

A suprema importância
deste inominado espetáculo

fez com que eu acelerasse
ao passar por eles sem palavra

Por que me importaria o rumo?
e lá fui rodando sobre as

quatro rodas do meu carro
pela estrada molhada até

que vi uma moça com uma perna
sobre o parapeito de um balcão.

William Carlos Williams nasceu a 17 de setembro de 1883 em Rutherford, cidade onde passou toda a vida até sua morte a 4 de março de 1963.  A marca de sua obra poética é dada pela objetividade com que repõe o plasticismo das imagens do cotidiano.  É autor de extensa obra circunscrita em dois gêneros,  a poesia e a prosa.  


* Traduções de José Paulo Paes. 


domingo, 2 de setembro de 2012

O cego

Pieter Breughel. Detalhe.



Ele caminha e interrompe a cidade,
que não existe em sua cela escura,
como uma escura rachadura
numa taça atravessa a claridade.

Sombras das coisas, como numa folha,
nele se riscam sem que ele as acolha:
só sensações de tato, como sondas,
captam o mundo em diminutas ondas:

serenidade; resistência -
como se à espera de escolher alguém, atento,
ele soergue, quase em reverência,
a mão, como num casamento.


sábado, 1 de setembro de 2012

O nascimento de uma ideia




O caderno-revista 7faces quer uma edição especial em homenagem ao poeta Leontino Filho. O anúncio já foi posto na tarde de 1º de setembro numa fan page no Facebook criada para divulgação da ideia e da sua obra. O nascimento da edição marca a passagem dos 25 anos de publicação de seu livro Cidade íntima

Pode seguir a fan page criada indo por aqui

Para saber mais do poeta, acesse notas escritas para a coluna "Os escritores", no Letras in.verso e re.verso, aqui

Em versos à boca da noite, publicou-se um poema do poeta; vá aqui.