terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Três poemas de Nicanor Parra


QUE É POESIA

A fundação do ser x a palavra
Poesia és tu
Tudo o que se move é poesia
O que não muda de lugar é prosa

Mas que é poesia
Tudo o que nos une é poesia
Só a prosa pode nos separar

Sim mas que é poesia
Vida em palavras
Um enigma que se nega a ser decifrado x os professores
Um pouco de verdade e uma aspirina

Antipoesia és tu


O HOMEM IMAGINÁRIO

O homem imaginário
vive numa mansão imaginária
rodeada de árvores imaginarias
à beira de um rio imaginário

Das paredes que são imaginários
pendem antigos quadros imaginários
irreparáveis rachaduras imaginárias
que representa feitos imaginários
acontecidos em mundos imaginários
em lugares e tempos imaginários

Todas as tardes tardes imaginárias
sobe as escadas imaginárias
e se põe por sobre a varanda imaginária
a olhar a paisagem imaginária
que consiste num vale imaginário
rodeado por colinas imaginárias

Sombras imaginárias
vêm pelo caminho imaginário
entoando canções imaginárias
à morte do sol imaginário

E nas noites de lua imaginária
sonha com a mulher imaginária
que lhe deu seu amor imaginário
volta a sentir essa mesma dor
esse mesmo prazer imaginário
e volta a palpitar

o coração do homem imaginário

* Traduções de Pedro Fernandes de O. Neto


MULHERES

A mulher impossível,
a mulher de dois metros de estatura,
a senhora de mármore de Carrara
que não fuma nem bebe,
a mulher que não fica nua
por temor de engravidar
a vestal intocável
que não quer ser mãe de família,
a mulher que respira pela boca,
a mulher que caminha
virgem para a câmara nupcial
porém que reage como homem,
a que se desnudou por simpatia
por encantar-se com musica clássica,
a ruiva que ficou de bruços,
a que só se entrega por amor,
a donzela que enxerga com um só olho,
a que apenas se deixa possuir
no divã, à borda do abismo,
a que odeia os órgãos sexuais,
a que casa somente com um cão,
a mulher que se faz de adormecida
(o marido a ilumina com um fósforo),
a mulher que se entrega porque sim
porque a solidão, porque o esquecimento...
a que chegou moça à velhice,
a professora míope,
a secretária de óculos escuros,
a senhorita pálida de lentes
(ela não quer nada com o falo),
todas estas valkírias
todas estas matronas respeitáveis
com seus lábios maiores ou menores
terminarão tirando-me do juízo.

* Tradução de Albino M. 


Nicanor Parra nasceu em San Fabián, em 5 de setembro de 1914. Em 1933, ingressou no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile, onde se formou em Matemática e Física. Em 1943, embarcou para os Estados Unidos para fazer uma especialização no Instituto de Educação Internacional. Revolucionou a literatura com sua antipoesia, que mudou a forma de conceber a literatura e a arte. Escreveu, dentre outras obras Hojas de Parra, Poemas y antipoemas e Versos de salón. Sua última obra publicada foi Antiprosas, em 2011. O poeta morreu no dia 23 de janeiro de 2018. 




Nenhum comentário:

Postar um comentário