sábado, 1 de dezembro de 2012

Dois poemas de Manuel António Pina




ARTE POÉTICA

Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melodia e de respeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?


TODAS AS PALAVRAS

As que procurei em vão, 
principalmente as que estiveram muito perto, 
como uma respiração, 
e não reconheci, 
ou desistiram e 
partiram para sempre, 
deixando no poema uma espécie de mágoa 
como uma marca de água impresente;
as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te
nem foram capazes de dizer-me; 
as que calei por serem muito cedo, 
e as que calei por serem muito tarde, 
e agora, sem tempo, me ardem; 
as que troquei por outras (como poderei 
esquecê-las desprendendo-se longamente de 
mim?); 
as que perdi, verbos e 
substantivos de que 
por um momento foi feito o mundo 
e se foram levando o mundo. 
E também aquelas que ficaram, 
por cansaço, por inércia, por acaso, 
e com quem agora, como velhos amantes sem 
desejo, desfio memórias, 
as minhas últimas palavras.


Manuel António Pina nasceu no dia 18 de novembro de 1943, em Sabugal, cidade pertencente à região da Beira Alta, Portugal. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, foi advogado, jornalista, poeta e escritor. Publicou 17 livros de poesia, de Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde (1974); até Todas as palavras: poesia reunida (2012). Em 2011, recebeu o Prêmio Camões. Morreu em 2012, na cidade do Porto.