terça-feira, 3 de setembro de 2013

Três poemas de Ondjaki




Chão

palavras para manoel de barros

apetece-me des-ser-me;
reatribuir-me a átomo.
cuspir castanhos grãos
mas gargantadentro;
isto seja: engolir-me para mim
poucochinho a cada vez.
um por mais um: areios.
assim esculpir-me a barro
e re-ser chão. muito chão.
apetece-me chãonhe-ser-me.


Silêncio no voo dos mosquitos

palavras apontadas para clarice lispector

como se adormecidamente.
para saber silêncios
o mosquito voa acontrário
soprando para frente.
assim toda locomoção perde segredo
todo vento se desmistifica.
como se antecipadamente.
para domar zumbidos
o mosquito faz andamentos na pluma do ar:
sons aveludados
- repletos de aminúsculo.
mas!, o segredo:
mais que asa
para deslocarmos
o mosquito usa alma.
borbulha - é um resultacto de fornicações.
comichão - é um sémen denunciando solidões.
como se amosquitadamente.

...

para voar com(o) mosquito
somente use um voolêncio.


que sabes tu do eco do silêncio?

resposta para paula tavares

um só olhar
pode ser uma voz não dita.
para acumular dores
o mais das vezes
bastou um desamor.
sei: a solidão
ecoa de modo muito silencioso.
sei: muita silenciosidade
pode reciprocar
verdadeiros corpos num amor.
um só silêncio
pode ser nossa voz não dita
ainda nunca dita.
para ecoar um silêncio
bastou gritarmo-nos para cá dentro
num gritar aprofundo.
já silenciar um eco
é missão para uma toda vida:
exige repensação da própria existência.

De Há prendisajens com o xão (o segredo húmido da lesma & outras descoisas). Rio de Janeiro: Pallas, 2011.

Nenhum comentário:

Postar um comentário