sábado, 19 de outubro de 2013

Cinco poemas de Vinicius de Moraes



Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De arte anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passou por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.


Soneto do amor maior

Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


Soneto do só

Depois foi só. O amor era mais nada
Sentiu-se pobre e triste como Jó
Um cão veio lamber-lhe a mão na estrada
Espantado, parou. Depois foi só.

Depois veio a poesia ensimesmada
Em espelhos. Sofreu de fazer dó
Viu a faca do Cristo ensanguentada
Da sua imagem – e orou. Depois foi só.

A anunciar anjos sanguinários...
Depois cerrou os olhos solitários
E só então foi totalmente a sós.


Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das
                                                                       [promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem
                             [fatalidade o olhar extático da aurora.



Bilhete a Baudelaire

Poeta, um pouco à tua maneira
E para distrair o spleen
Que estou sentindo vir a mim
Em sua ronda costumeira

Folheando-te, reencontro a rara
Delícia de me deparar
Com tua sordidez preclara
No velha foto de Carjat

Que não revia desde o tempo
Em que te lia e te relia
A ti, a Verlaine, a Rimbaud…

Como passou depressa o tempo
Como mudou a poesia
Como teu rosto não mudou!

“Vinicius de Moraes é um dos poucos poetas que conservaram no seio da modernidade toda a força da grande tradição lírica da língua portuguesa”. A afirmativa é de Antonio Candido. Autor de uma extensa obra poética das mais significativas para a literatura brasileira, o poeta nasceu a 19 de outubro de 1913, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro. Formado em Letras no Santo Inácio, em Direito e do Curso de Oficial da Reserva, o primeiro livro vem depois de já colaborar com músicos com letras como a dos foxes “Loura ou morena” e “Canção da noite”, gravadas pelos Irmãos Tapajós em 1932; chama-se O caminho para distância. Depois, vêm outros vários: como: Forma e exegese, Cinco elegias, Orfeu da Conceição (peça), Livro de sonetos ou Para uma menina com uma flor. Morreu a 9 de julho de 1980.

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