quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Três poemas de Weldon Kees



PARA A MINHA FILHA

Ao olhar os olhos da minha filha, leio
Sob a inocência da carne da manhã
Escondidas, alusões de morte em que não reparo.
O mais frio dos ventos levantou estes cabelos, e trama
De algas entreteceu estas miniaturas de mãos;
O lento veneno da noite, tolerante e brando,
Moveu o seu sangue. Ressequidos anos que vi
E que dela podem ser aparecem: putrefacta, demorada
Morte em certa guerra, as magras pernas verdes.
Ou, alimentada de ódio, ela delicia-se no aguilhão
Da agonia de outros; talvez a cruel
Noiva de um sifilítico ou louco.
Estas especulações azedam ao sol.
Eu não tenho filha. Não desejo nenhuma.


SUBTÍTULO

Para esta noite apresentamo-vos
Um filme de morte: observai
Estas cenas que fragmentos de celulóide
Sem apoios nem taxas revelam.

Pedimos apenas o seguinte:
Toda a pastilha elástica deve ser colocada sob os assentos
Ou engolida rapidamente, todos os cartuxos de pipocas
Devem ser abandonados no vestíbulo. As portas
Permanecerão fechadas ao longo da representação. Por gentileza consultai
Os vossos programas: observai que
Não há saídas. Isto é uma precaução necessária.

Não procurai qualquer diálogo, ou qualquer
Som de voz humana: tivemos o cuidado
De sincronizar esta fita com
Guinchos de porcos, lento som de armas,
O afiado e amortecido estalido
De máquinas de chocolates vazias.
Repetimos: aqui não
Há saídas, guardas para subornar,
Janelas de casa de banho.

Não há fim para o filme a não ser
Que o fim seja vosso.
Apagai as luzes, lembrai
Ao operador a sua carteira profissional:
Sentai-vos para a frente, deixai o écran revelar
A vossa herança, a lógica do vosso destino.


A CIDADE COMO HEROÍNA

Para aqueles cujas vozes gritam nas ruínas
Para aqueles que morrem no escuro sós
Para aqueles que vagueiam em arruinadas ruas
Aqui na tua tarde
As chaminés estão vazias de fumo
Estas praças de treva são janelas
Os mudos fios eléctricos estendem-se no céu
A imobilidade do ar
Sob frias estrelas
E perto do rio seco
Um velho sem sombra vagueia só
Sobre almofadas de treva
Aqui está a tua tarde
Que palavras Que respostas agora
Que memórias Que arruinados portos?


* Traduções de Luís Quintais