sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Broadway



Chato, pardo-cinzento, o chão flutua lento, mole,
o chão escorre vagaroso;
contrai-se em blocos súbitos,
estica-se em flechas longas, trepidantes,
dispara, de repente, em riscos elásticos,
gira,
rodopia,
turbilhona e ferve vapor sutil de linhas e movimentos.

Aquele chão carrega todas as imaginações do mundo!

Aquele chão carrega isbas da Ucrânia,
vinhas de Bordeus,
parques do Tâmisa,
saveiros do Volga,
âmbar, corais, madrepérolas das Antilhas,
guano de Mollendo,
canaviais de Cuba,
juncos de Ribeirão Preto,
chifres do Pampa
fornos de Essen, fornos de New-Castle,
óleos de Tampico,
salitres de Iquique,
barbatanas da Terra Nova,
mares coalhados de ferros e madeiras,
terras gordas,
ilhas com batuques, tant-tants e redes molinhosas,
montanhas verdes, montanhas de óxidos e cristais,
rios onde boiam troncos, plantas, cobras e
                tartarugas,
florestas de plumas, penas e folhagens
praias, canais, mangues,
luzes do trópico, luzes do polo
desertos,
civilizações...

Aquele chão é uma paisagem em marcha.
Chão que mistura as poeiras do Universo e onde se confundem todos os ritmos do passo humano!

Chão épico, chão lírico, chão idealista,
chão indiferente de Broadway,
largo, chato, prático e simples, como este roof liso sus-
          penso no ar, este roof, onde um saxofone
          derrama um morno torpor de senzala debaixo
          do sol.


....................... 
CARVALHO, Ronald de. "Brodway". In: A revista, ano 1, n.3. Belo Horizonte, setembro de 1925.