segunda-feira, 12 de maio de 2014

Cinco poemas de Miklós Radnóti



MARCHA FORÇADA

Louco quem da terra morto se levanta e de novo se arrasta,
e com a dor do nômade movimenta tornozelos e joelhos,
e ainda assim se põe a caminho, como se alçado por asas,
e as valas o chamam em vão, não tem coragem de ficar,
e se você perguntar, por que não? talvez ele responda
que a mulher espera por ele e uma morte mais bonita, mais sábia.
Embora o crédulo esteja louco, porque lá sobre os lares
há muito apenas voam cinzas
a parede da casa desabou, o pé de ameixa se partiu,
e de medo é tormentosa a noite da terra natal.
Oh, se eu pudesse acreditar: que não é apenas no coração que eu levo
tudo que ainda vale a pena, e que existe uma casa à qual voltar;
se ainda existisse! e como em outros tempos na antiga varanda fresca
zumbisse a colmeia da paz, enquanto resfriava a geleia de ameixa,
e o silêncio do final de verão se banhasse ao sol nos jardins sonolentos,
em meio à folhagem frutas pendessem nuas,
e Fanni me esperaria loira diante da cerca vermelha
e lentamente escreveria sombra a lenta manhã, -
mas talvez ainda possa acontecer! A Lua está tão redonda!
Não prossiga, amigo, grite comigo! e vou me levantar!
Bor, 1944, 15 de setembro


CARTÕES-POSTAIS

1
Da Bulgária, a palavra espessa e selvagem dos canhões se derrama,
pisoteia o dorso da montanha, depois hesita e cai,
se atropelam homens, animais, carroças e pensamentos,
o caminho se detém gemente, o céu cacheado desliza.
Você está sempre comigo na confusão incessante,
no fundo da minha consciência você brilha eterna imóvel
e muda, como o anjo que contempla o extermínio,
ou o verme fúnebre que devora a árvore apodrecida.
30 de agosto de 1944. Entre as montanhas.


2
A nove quilômetros daqui ardem
rolos de feno e casas,
e à margem dos pastos sentados mudos
camponeses horrorizados sorvem cachimbos.
Aqui ainda pregueia a água a pequenina pastora que pisa no lago
e bebem nuvens sobre a água debruçadas as ovelhas felpudas.
Cservenka, 6 de outubro de 1944


3
Da boca dos bois escorre saliva sangrenta,
os homens todos urinam sangue,
a companhia se detém em novelos malcheirosos selvagens.
Acima de nós sopra a morte tremenda.1

Mohács, 24 de outubro de 1944


4
Desabei a seu lado, seu corpo se virou
e já estava teso, como corda, quando se rompe.
Tiro na nuca. - Assim será também o seu fim, -
sussurrei para mim mesmo, - continue deitado sereno.
A paciência agora desabrocha em morte. -
Der springt noch auf, - ouvi acima de mim.
No meu ouvido secava sangue misturado a lama.2
Szentkirályszbadja, 31 de outubro de 1944


Notas do tradutor
1. A palavra "companhia", acima, também significa "século" em húngaro.
2. O companheiro morto era um violinista. A expressão em alemão significa algo como "ele ainda se debate".


Miklós Radnóti nasceu em 5 de maio de 1909 e morreu em 10 de novembro de 1944. Fez doutorado em húngaro e francês e desde jovem iniciou o trabalho de traduzir poesia do grego, latim, inglês, francês e alemão. Seu livro de estreia, Saudações pagãs foi publicado em 1930. Escreveu ainda outros como Brisa crescente (1933), Lua nova (1935) e Estraga íngreme (1938). Durante a Segunda Guerra Mundial foi enviado ao campo de concentração de Bor. Em 1946, quando a vala onde pereceu foi encontrada, resgatou-se uma caderneta em que trazia os seus últimos poemas depois publicados em Céu espumante.

* Traduções de Paulo Schiller para a Folha de São Paulo.