segunda-feira, 26 de maio de 2014

Três poemas de Aleksándr Púchkin por Jorge de Sena




O Homem que outrora fui…

Tel j'étais autrefois et tel je suis encor  André Chenier

O homem que outrora fui, o mesmo ainda serei:
leviano, ardente. Em vão, amigos meus, eu sei,
de mim se espere que eu possa contemplar o belo
sem um tremor secreto, um ansioso anelo.
O amor não me traiu ou torturou bastante?
Nas citereias redes qual falcão aflante
não me debati já, tantas vezes cativo?
Relapso, porém, a tudo eu sobrevivo,
e à nova estátua trago a mesma antiga of'renda…


Ó belo jovem…

(num acampamento militar no Eufrates)

Ó belo jovem, não escutes
rufar da guerra os tambores!
Não te lances na batalha
co'as hordas dos contendores!

Sei que a morte há-de poupar-te,
e que, onde a sorte se traça,
o anjo Azrael, ao fitar-te,
ver-te-á tão belo, que passa.

Mas a guerra é pior que a morte,
e temo que te desfaça
o encanto fino do porte
e a tua lânguida graça.


É tempo, meu amigo…

É tempo, meu amigo, o coração cansou-se…
Cada hora voa, e é como se com ela fosse
um farrapo daquilo que pensamos vivo.
Tardará muito a morte? Ah, tudo é fugitivo.

Felicidade não, mas paz e liberdade
é quanto espera quem só ainda sonha que há-de
fugir — cansado escravo —, antes da noite escura,
a repousar nos longes da mais clara altura.

Aleksándr Púchkin nasceu em Moscou em 1799. Foi aluno no prestigiado Liceu Imperial de Tsárkoie Seló em 1811, época em que seus poemas passaram a despertar atenção. Perseguido pela censura tsarista, foi exilado em 1820 e passou quatro anos fora da Rússia; no retorno, continuou a ser vigiado por Nicolau I - já então Púchkin havia se tornado historiador oficial do império. Deixou um legado de poemas que vão do romantismo ao classicismo, muitos dos quais se tornaram célebres como"O século de prata". Morreu aos 37 anos num duelo com o oficial francês George-Charles D'Anthès, que cortejara a esposa do poeta.