domingo, 7 de junho de 2015

Três poemas de Max Martins




Sou um homem sem títulos

Sou um homem sem títulos,
Sou todo legenda.

O que me consola é a valsa
A linha azul sem rumo
Que me envolve e me supera,
O sol que me entontece,
A carta que me busca,
A lágrima sem dor.

Percebe-se que de meus bolsos brotam ervas
Com raízes no deserto
E o paletó me embrulha das mentiras
Que julgo convencionais.

Não atino com o público
Se não o seu jeito de me odiar.
Se no vento busco a forma de meus cabelos
Nos quais me deito e me enrijeço,
De outro modo, o corpo, sem relevo, escuda-me.


As anônimas

Ó amadas de todas as noites
Sei que vos esquecereis todas
Vossos olhos vossos peitos.

Ó amadas pretas e brancas
Incógnitas das ruas longínquas,
Amadas franzinas
De lírios portões sereis esquecidas.

Amadas de quartos cheirando a água de Colônia,
Vos esquecereis,
Vossos olhos,
Vossos peitos.


A casa

Esta casa é uma ruína,
quase terreno baldio:
coração de minha mãe
– esta terra de ninguém,
está cheio e está vazio.

Esta casa vem abaixo,
está prestes a cair.
Esta casa foi à lua,
esta casa foi um tronco,
foi navio
Com seu mar encapelado
e bandeiras em abril
 (minha mãe na capitânea,
na janela minha irmã).

Tantos anos se passaram,
tantos sonhos se esgotaram;
minha mãe nos sustentava,
nos amava e costurava,
nossa vida a sua alma
como a roupa que vestia.

Esta casa é uma ruína
que dá pena a seus vizinhos.
Sobem ervas nas paredes
desta casa-soledade
encolhida pela vida
 que dentro dela cresceu;
esta vida que é poeira
esta vida que é silêncio
esta vida que é fechada
esta vida que é goteira
nesta casa condenada.

Esta casa tinha escada,
esta escada três degraus.
E no último tropeçaram
estes sete filhos seus.
Nesta casa inda ressoa
o pigarro de meu pai
(seu cigarro era uma brasa
nessa noite que o escondeu
de seus filhos tropeçados
nesta vida que os comeu).

Esta casa vai cair!
Veio abaixo nossa vida,
veio a chuva, foi-se o sol;
a lama sobe a escada,
às paredes sobe o limo:
esta casa enlouqueceu!

Nossa mãe se ressequiu.
Sua vida é esta máquina
que de surda enrouqueceu
(único sinal de vida
Que a escada não desceu).
Mas é forte esta sua lida,
sua máquina que não pára
que nos cose e nos trabalha.

Max Martins nasceu a 20 de junho de 1926, em Belém, no Pará. Sua vivência com a escrita começa no jornal O Colegial e nas colaborações com revistas como Encontro e cadernos de cultura como Folha do Norte. Publica o primeiro livro, O estranho, em 1952. O título abre uma rica obra que reúne ainda outras publicações como Anti-retrato (1960), H’era (1971), O risco subscrito (1980), A fala entre parêntesis (1982), Caminho de Marahu (1983) Para ter onde ir (1992) e Colmando a lacuna (2001). O poeta morreu em Belém, no dia 9 de fevereiro de 2009.