terça-feira, 11 de agosto de 2015

Dois poemas de Abgar Renault


COMO QUEM PEDE UMA ESMOLA 

Preciso de uma palavra. 
Em que dia ou em que noite
estará essa, que almejo,
ideal palavra insabida,
a única, a exclusiva, a só?
Dela me sinto exilado
todas as horas por junto,
com minha face, meu punho,
meu sangue, meu lírio de água.
Soletro-me em tantas letras,
e encontrá-la deve ser
encontrar a criança e o berço,
a unidade, a exatidão,
o prado aberto na rua,
a rua galgando a estrela.
Preciso de uma palavra,
uma só palavra rogo,
como quem pede uma esmola.
Em florestas de palavras
os calados pés caminham,
as caladas mãos perquirem,
os olhos indagam firmes.
Em que parábola cruel,
em que ciência, em que planeta,
em que fronte tão hermética,
em que silêncio fechada
estará viajando agora
- mariposa de ouro azul -
a palavra que desejo?
Lâmina sexo cristal
fulcro pântano convés
voraginoso fluvial
Antígona circunflexa
catastrófico crepúsculo
ênula ventre rosal
sibila farol maré
desesperadoramente
nenhuma será nem é
aquela do meu anseio.
Como será, quando vier,
a palavra entrepensada,
necessária e suficiente
para a minha construção
de lápis, papel e vento?
Dura, espessa, veludosa
ou fina, límpida, nítida?
Asa tênue de libélula
ou maciça e carregada
de algum plúmbeo conteúdo?
Distante, insone e cativo,
debaixo da chuva abstrata,
eu me planto decisivo
no tráfego confluente,
aéreo, terrestre, marítimo,
e espero que desembarque,
triste e casta como um peixe
ou ardendo em carne e verbo,
e pouse na minha mão
a áurea moeda dissilábica,
a noiva desconhecida,
a coroa imperecível:
a palavra que não tenho. 


ALEGORIA

Em vão busco acender um diálogo contigo: 
a alma sem tom da tua boca de água e vento
despede cinza, névoa e tempo no que digo,
devolve ao chão o meu mais longo pensamento, 

e entre cactos estira esse deserto ambíguo 
que vem da tua altura ao vale onde me ausento,
procurando o teu verbo. O silêncio, investigo-o,
e ouço o naufrágio, o vácuo e o deperecimento. 

Sonho: desces a mim de um céu de algas e rosas, 
falas às minhas mãos vozes vertiginosas,
e palavras de flor no teu cabelo enastro. 

Desperto: pairas ainda em silêncio e infinita: 
meu ser horizontal chora treva e medita
tua distância, teu fulgor, teu ritmo de astro.