sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Dois poemas inéditos de Pablo Neruda



Teus pés toco na sombra, na luz as tuas mãos
e no voo me guiam os teus olhos de águia
Matilde, com os beijos que aprendi de tua boca
meus lábios aprenderam a conhecer o fogo.
Oh pernas herdadas da absoluta avena
cereal, estendida a batalha
coração de campina
quando em teus seios pus minhas orelhas
meu sangue* propagou tua sílaba araucana

* trecho ilegível


E os cavalos onde estão?
De tanto viver e morrer
as pessoas bem-educadas
de tanto dizer bons-dias,
dizer adeus com parcimônia.
não se despediram a tempo
dos vegetais cavalos

Eu montei uma gota de chuva
eu montei uma gota d'água
mas tão pequeno era então
que me escorreguei na terra
e perdia a montaria
entre raízes, ferraduras
agora o homem está ocupado
e não mira o bosque profundo
já não investiga a folhagem
nem lhe caem do céu as folhas
está ocupado o homem agora
ocupado em cavar sua cova.

Há que ver o que é o silêncio
nos entornos de Valdivia
por isso não conhecerá
a comunidade do subsolo
a comunhão das raízes
pois estes falecidos mortos
morreram antes de morrer.

No entanto, por meu juízo
o coração é uma folha

o vento a faz palpitar

Pablo Neruda nasceu a 12 de julho de 1904 em Parral. Estudou Pedagogia e Francês na Universidade do Chile, período quando começa a se apresentar como escritor: data de então o terceiro lugar num concurso do jornal A Manhã, o primeiro lugar na Festa da Primavera e as primeiras publicações — Crepusculário sai em 1923. É quando se interessa também pelas vanguardas, influência que se reparará em três plaquetes publicadas na década seguinte: O habitante e sua esperança, Anéis e Tentativa do homem infinito. Torna-se diplomata e estabelece relações com nomes da literatura ao redor do mundo: Federico García Lorca, Rafael Alberti, Vinicius de Moraes, entre outros. Dos livros que publicou, destaca-se Nasci para nascer. Em 1971, torna-se o segundo poeta do seu país a receber o Prêmio Nobel de Literatura. Morreu em Santiago a 23 de setembro de 1973.


* Tradução de Alexei Bueno