sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Quatro poemas de Aníbal Cristobo



TESTE DE IGUANA

Animal: figura da velocidade
e da forma – mancha
de luz – que cruzou o caminho:
o passo da iguana e seu
selo na areia: repouso,
repetição do corpo

e o impregnado: a
pegada
como livro de paixões
e de assombro; e espelho: desdobrando
tua voz, igualando-a
com teu próprio desejo
como em algo
como num exercício metonímico:

“o passo da iguana
e seu sistema de indeterminação: forma

ou velocidade?”

Iguana:
teus olhos frios na pedra laranja,
rapidíssimos,
como final de toon.—


FILHA DO CAPINZAL (UMA CANÇÃO)

A que arranhou o disco da névoa
enquanto todos dormiam em suas roupas
risíveis, era eu.

A que teve um sonho nas gengivas
até que as frutas apagaram suas lembranças
e gravaram sequências, na
noite do paladar – era eu.

Que a lua não venha, agora
que peço. Que os macacos caminhem
de mãos dadas, em santidade.

Por seus relâmpagos os reconhecerás. Verás
o que o encantador não diz.
A que esculpiu seus heróis nas unhas, a que
curou as pedras, era eu.

E a que viu o koala, mantendo relações
com sua mulher, e o trevo de saturno, com suas
dez folhas bruxas, era eu.
Que a peste carregue este caderno.
Que os exploradores não encontrem meus cabelos.—


SINGLE CACTO II 

Tudo volta a se criar: idêntico
no sigilo das formas

e na sua sentença:
nada - um cacto
com seu olhar inédito, suas ânsias
de chegar até aqui.

E nossa dispersão, diversão
invertida
distanciando-o; chamando-o sem voz:

"poema"

e sem traição; mesmo que o
amor repita: "o cacto

é também um corpo
abandonado aqui. O poema
não poderia salvá-lo
da dissolução no vazio..."—


UMA BALEIA BRANCA (DESEMBARQUE)

Igual são seus objetos
conhecidos, igual
é urna baleia branca, é

você sentado entre as rochas
igual são seus amigos - você
pensa: o dia

foi embora, as cores, qualquer
coisa que viu torna-se irrepetível

se agora
"não era bem aquilo"; e

sempre

o que deseja ser,
o que anda no aberto, igual
permanece no
corpo; vive fora do corpo.—


* Tradução de Carlito Azevedo.