domingo, 25 de dezembro de 2016

Dois poemas de Lucila Nogueira



SERVENTIA DA POESIA

Para alguma coisa há de servir
toda uma vida dedicada a ti
poesia meu estranho anjo da guarda
não há de ser para a fama
nem me fará mais amada
nem aplausos no palanque
nem no circo de lona rasgada
pirâmides de livros pela casa
qualquer dia toco fogo
e paro e sumo e me calo
mas há de servir para algo
a palavra entrecortada
o coração desabrido
a poesia ignorada
para salvar um amigo
do terror do suicídio
há de servir para algo


NÃO É FÁCIL MORRER

não é fácil morrer e eu te recordo
recoberto de flores nesse espaço
onde te colocamos para sempre
tão belo mas tão frio o teu estado

vivendo a morte pelo outro lado
do espelho magnético da alma
vivendo a sorte de dormir calado
e acordar invisível para a amada
tendo só sua mente por cenário
(forças desconhecidas e secretas
 nas ruínas românticas do claustro)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Três poemas de Harold Pinter



O MUNDO ESTÁ PRESTES A REBENTAR

Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.

Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida. 


O TEU OLHAR NOS MEUS OLHOS

Sempre onde tu estás
Naquilo que faço
Viras-te agarras os braços

Toco-te onde te viras
O teu olhar nos meus olhos

Viro-me para tocar nos teus braços
Agarras o meu tocar em ti

Toco-te para te ter de ti
A única forma do teu olhar
Viro o teu rosto para mim

Sempre onde tu estás
Toco-te para te amar olho para os teus olhos. 


TU À NOITE

Tu à noite havias de escutar
A trovoada e o ar ambulante.
Tu nessa margem hás-de virar
Para onde estão as intempéries dominantes.

Toda essa honrada esperança
Ruirá na ardósia,
E destroçará o inverno
Que vocifera a teus pés.

Se bem que ardam os altares apaixonantes,
E que o sol deliberado
Faça ladrar a águia,
Tu avançarás na corda bamba. 

* Tradução Jorge Silva Melo e Francisco Frazão.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Três poemas de Serguéi Tretiakóv



O ELEFANTE

O elefante é forte e parrudo,
Trabalha duro, aguenta tudo.
É esperto e bem-humorado,
Espirra água para todo lado
Na sua tromba comprida,
chega a 300 anos de vida

Veja como ele coça, tão educado,
com a tromba
                    A pata da frente.
Que bicho mais delicado:
É quase igual à gente.

Que ninguém se espante
Se três meninos
Virarem um elefante:
Os dentes, dois paus finos;
a tromba, as pernas de uma calça;
E o um cobertor, a pele falsa.

Senhoras e senhores, por favor!
Vejam só que primor!

O rabo, igualzinho, é um barbante.
Lá vai pelo quarto o elefante.
Pisa pesado, nunca se cansa
Pra lá, pra cá, a tromba balança.

Meu quarto é a selva e a campina
Onde dá gritos de meter medo.
Só que ele é de brinquedo,
Porque seus pés estão de botina!


A TARTARUGA

A tartaruga anda tão devagar
Que parece puxar um arado.
Leva duas horas para chegar
Da porta até o meu lado.

A tartaruga não faz mal a ninguém.
Se o cachorro vem, late e ameaça,
Em resposta, ela chia para ele também
E se encolhe dentro da carapaça.

Um menino rasteja: nas costas, uma bacia.
Lá vem o cachorro, curioso demais,
Derruba a bacia, vê o que antes não via.
Tartaruga e menino não mesmo iguais?


O AVESTRUZ

Agora escute bem, garotada,
A história de uma ave muito falada,
Vive nas terras do Sul, cheias de luz,
Toda coberta de penas de avestruz.
É o avestruz mesmo, e corre feito o vento.
cem quilômetros ele cruza num momento.
Não pia nem canta, mas é bicudo.
come prego, come vidro, come tudo.
Só é brabo na hora do perigo.
Pensando que achou um abrigo,
Enfia a cabeça debaixo da asa,
Acha que assim entrou numa casa,
E que se ele não vê ninguém,
Ninguém vê o avestruz também.

Matviei, menino sabido
Prende nas costas um ramo florido.
Pronto: o avestruz já tem rabo.
Da vassoura, pega só o cabo
E amarra uma bola na ponta.
A cabeça já está pronta.
Olha o avestruz aí, gente!
E se algum garoto, de repente,
Tenta pegar o bicho em casa,
Ele enfia a cabeça debaixo da asa,
corre pra lá do rio,
         pra lá do moinho,
E o rabo cai pelo caminho.

* Tradução de Rubens Figueiredo

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Dois poemas de Adrienne Rich



OS TIGRES DA TIA JENNIFER

Habitantes de um mundo verde vestidos de topázio,
Curveteiam sobre a tela os tigres da Tia Jennifer,
Não temem os homens por debaixo das árvores;
Movem-se seguros e lustrosos como cavaleiros.

Esvoaçando por entre as lãs os dedos da Tia Jennifer
Acham até difícil puxar a agulha de marfim.
O volume maciço da aliança de casamento do Tio
Carrega pesadamente na mão da Tia Jennifer.

Quanto ela estiver morta, as mãos aterradas da Tia Jennifer
Ostentarão ainda os anéis das provações que a dominaram.
Os tigres que ela fez em cima daquela tela
Continuarão a curvear, altivos e destemidos.


A CHUVA DE SANGUE

Nas pedras quentes da vida naquele ano de breu,
Uma chuva irada, de sangue vermelha, choveu.
Sob as arremetidas daquela aridez molhada
Jardim algum se ergueu, ou cresceu haste tombada,
Como de um céu sem sol todo o dia choveu
E os homens voltavam das ruas de terror
Todos manchados daquele desnatural icor.
Sob a noite os amantes irritados não apagavam
A luz, mas por sobre o seu respirar escutavam
O som que ouve na morte quem está para morrer.
Cada um perguntava, e ninguém ousava dizer
Que ominoso sinal naquela torrente de fogo caía.
E jazíamos toda a noite, enquanto em cima chovia
Forte a chuva de pingos como se sangrasse o céu;
E cada madrugada despertávamos para aquele escarcéu
E os homens sabiam que podiam estancar a ferida,
Mas todos amaldiçoavam a cidade acometida,
Os telhados culpados pela chuva fustigados.

Adrienne Rich nasceu a 16 de maio de 1929, em Baltimore, Maryland. Os seus primeiros trabalhos, incluindo A Change of World (1951), com o qual ganhou o prestigiado Yale Younger Poets Award, estavam muito próximos à forma exata da poesia, termo radicalizado a partir de sua obra das duas décadas seguintes. Essas transformações começam com Snapshots of a Daughter-in-Law (1963), uma antologia que explora questões de identidade, sexualidade e política, marcadamente pelo interesse na justiça social, no anti-belicismo e num radical feminismo, questões que se espraiam em Necessities of Life (1966), Leaflets (1969) e The Will to Change (1971). Com Diving into the Wreck (1973), ganhou o National Book Award. Além de poesia, escreveu ensaios, parte deles reunidos em A Human Eye: Essays on Art in Society (2009). Morreu no dia 27 de março, na sua cidade natal. 



* Tradução de Maria Irene Ramalho e Monica Varese Andrade


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Dois poemas de José Kozer



MADAME CHU        


         Madame Chu (ao amanhecer) guardanapos de linho, chá verde (ou chá
                   do Ceilão) e uns pãezinhos à base de gema (levíssimos)
                   marmelada de vacínios.

         E como uma natureza-morta um ovo duro em seu cálice
                   pequeno de porcelana (toalha orlada com uma franja
                   de cruzinhas vermelho amarelo vermelho) gravada, dois limões.

         Modorra, ainda: ontem à noite brotaram de seu sonho uns escaravelhos                           difusos, passou um porta-voz do Imperador diante de sua
                   janela (cobrindo-se de glória com um monólogo) e um
                   leque

         se desfez.



UM DIA FELIZ EM UM POEMA NAIF JUNTO A UMA PORTA ENVIDRAÇADA

Charamelas, um piano-forte em um campo de
          samambaias.

Sou um recém-chegado, bem de saúde, sentado na cadeira de
         cânfora na posição de shogun.

O leão imperial olha no alto a torre de um azulejo a
outro no solo vermelho lajotas brancas leão e
torre azuis, da cozinha: o grande azulejo
incrustado na parede da cozinha olha no alto
desde um leopardo verde-oliva gargantilha sépia
          o espetáculo (salpicaduras) da luz do sol, no solo.

Agora o ar tem ar de recém-chegado de haver sido     
          ameaçado por cítaras entre lauréis de Índias,        

A pera de água que acabo de morder tinha o
          corpanzil de buda, litros e decilitros, ar e água
          (dois decentes animais) compensam todo gasto
          do corpo.

E a pura verdade é que a mulher do bosque tocando
          o harmônio está morta; já não é fêmea.

Invocação: o ar que acalenta o campo de papoulas
          traz a fêmea acaçapada; vai, mexeriqueira.

* Tradução: Cláudio Daniel e Luiz Roberto Guedes


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Dois poemas de Ibn Al-Zaqqaq

O OLHAR

Os olhos desse cervo me assassinam.
Sua languidez minha languidez provoca.
Desnuda sem cessar para matar-me,
a espada é apenas o que embainha o sonho.


NOITE DE AMOR

Tão débil e frágil é sua cintura
como opulenta e belo seu quadril.
Curta é a noite e voa, se ela vem
levada por outras asas que não as do prazer.
Não há delícia maior que sua visita.
Uma aurora me abraça até a aurora,
raios seus braços em meu pescoço,
os meus cintos de sua cintura.

* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Um poema de John Ashbery



O IDIOTA

Oh, como me ignora este tosco,
indiferente mundo! Essas rochas, essas casas
não conhecem o contato de minha carne, nem há uma árvore
cuja sombra tenha me amparado qual um amigo.
Vagueei pelo mundo inteiro.
Não conheci nenhum homem, nenhuma fera aproximou-se
pacificamente e pôs seu focinho entre minhas mãos.
Nenhuma mulher acolheu meu rosto com um beijo.

Porém uma vez, durante uma travessia
de Gibraltar ao Cabo de Hornos
conheci a bordo amistosos marinheiros,
e enquanto lutávamos para salvar o barco do naufrágio
durante uma tempestade, as próprias ondas pareciam amigas,
e o rumor que fazia a espuma a golpear  a frente do barco.


John Ashbery nasceu a 28 de julho de 1927 em Rochester. Um dos principais representantes da poesia da chamada Escola de Nova York, sua formação se dá pelo contato precoce com a obra de W. H. Auden e Dylan Thomas; ainda na adolescência tem dois poemas seus furtados por um colega de classe publicados na prestigiada revista Poetry. Sua obra é vasta e recebeu algumas das honrarias mais importantes como o Prêmio Pulitzer de Poesia, o National Book Award e o National Book Critics Circle Award. Escreveu ensaios e foi tradutor de poetas como Arthur Rimbaud. Morreu no dia 3 de setembro de 2017.

* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Um poema de James Wright




IMAGENS DA PRIMAVERA

Dois atletas
dançam na catedral
do vento.

Uma mariposa para num galho
de tua voz verde.

Pequenos antílopes
dormem nas cinzas
da lua.

* Tradução de Pedro Fernandes



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Três poemas de Georg Trakl



RONDEL

Foi-se o dourado dos dias,
Cor marrom e azul da tarde:
Doces flautas vãs do pastor
Cor marrom e azul da tarde
Foi-se o dourado dos dias.

(1912)


MEU CORAÇÃO AO CREPÚSCULO

No crepúsculo ouve-se o grito dos morcegos.
Dois cavalos saltam no gramado. 
O ácer vermelho sussurra.
Ao andarilho surge no caminho a pequena taberna.
Maravilhoso o sabor de vinho novo e nozes.
Maravilhoso: cambalear bêbado na floresta crepuscular.
Pelos galhos negros ressoam sinos aflitos.
No rosto pinga orvalho.

(1912)


CANÇÃO DAS HORAS

Com olhos escuros contemplam-se os amantes,
Louros, resplandecentes. Em imóvel treva
Entrelaçam-se lânguidos os ávidos braços.  

A boca dos abençoados despedaçou-se. Os olhos redondos
Espelham o escuro ouro da tarde primaveril,
Fronteira e negror da floresta, temores vespertinos no verde;
Talvez indizível voo de pássaro, o atalho
Do não-nascido ao longo de sombrios lugarejos, de solitários verões,
E do azul em ruínas surge às vezes um corpo sem vida.

No campo rumoreja discreto o trigo amarelo.
Dura é a vida; o camponês maneja o ferro da foice,
O carpinteiro encaixa grandes vigas.

A folhagem no outono colore-se purpúrea; o espírito monástico
Percorre dias serenos; maduras as uvas
E festivo o ar em vastos pátios.
Mais doce o odor de frutos amarelados; discreto o riso
Do satisfeito, música e dança em tabernas de sombras;
No jardim crepuscular, passo e silêncio do menino morto.

(1913)

Georg Trakl nasceu a 3 de fevereiro de 1887, em Salzburgo. Sua obra o coloca entre os principais nomes da poesia expressionista. Morreu a 3 de novembro de 1914, na Cracóvia.


* Traduções de Cláudia Cavalcanti 



segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Dois poemas de James Merrill


O POETA AFOGADO

O poeta afogado, horas antes de afogar-se,
tinha olhos de redemoinho, sal em seus pulsos, e exibia
uma líquida aparência. O mar estava inteirado
como as flores na cabeceira de uma ferida,
de uma responsabilidade iminente,
como um ímã tendendo para o lado dele durante todo o dia azul,
ambíguo como um pulmão.

Ele observava os mergulhadores estudar um elemento
familiar como as escalas para o músico,
em que nadar é uma progressão de longos vocais,
uma comunicação que nunca pode ser buscada
pois em si mesma é completa: evidente como as pérolas,
simples como as pedras ao sol, uma felicidade
ligada aos acontecimentos.

Afogar-se foi a perfeição da técnica
a palavra envolvendo seu próprio sentido, como o Tempo;
e voltando-se para si o mar penetrou nele
como se falássemos de poemas num poema,
ou no momento culminante numa sonata citássemos
exercícios de digitação: um elogio
para o sucesso completo.


CISNE NEGRO

Negro na água calma detrás dos juncos
o cisne negro traça
um caos privado gorjeia em seu sinal,
assume, como quarta dimensão, o esplendor
sobre a criança com brancas ideias de cisnes
no verde lago
onde cada paradoxo significa maravilha.

Embora o negro pescoço se erga indistinto
como uma interrogação sobre o lago,
o cisne condena todo questionamento fácil:
algo em si, ambíguo, pressentido,
como a dor ou o canto das mulheres ao despertar;
e o que o canto do cisne canta
é o profundo silêncio do cisne.

Ilusão: o cisne negro sabe irromper
na expectativa, o bico
aponta já para seu peito, para sua imagem,
e atravessa nossas vidas, se o lago é vida,
e pelo suave giro de seu pescoço
transforma, a tempo, os danos do tempo;
menor que uma pena negra, a dor do tempo.

Feiticeiro: o cisne negro aprendeu a entrar
no perdido centro secreto da dor,
onde, como nas festas de maio, diversas tragédias
se entrelaçam, barras no poste, para compartilhar
um mesmo afundar-se, medula de puro inverno
que não muda e é
brilho sempre no gelo e no ar.

Sempre se move no lago o cisne negro. Sempre
chega o momento de olhar
como, alto símbolo, vira e se move
até a outra margem, sempre. A criança loira na
ribeira, mãos cheias de complexas maravilhas, permanece
já maravilhado, já incerto.

Seus lábios alentam: amo esse cisne negro.

* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Um poema de Rudolf Otto Wiemer (1905-1998)



quantificadores indefinidos

todos sabiam
muitos sabiam
diversos sabiam
vários sabiam
alguns sabiam
poucos sabiam
ninguém sabia

unbestimmte  zahlwörter

alle haben gewußt
viele haben gewußt
manche haben gewußt
einige haben gewußt
ein paar haben gewußt
wenige haben gewußt
niemand hat gewußt

* Tradução de Rosvitha Blume e Markus Weininger

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Quatro poemas de Leopoldo María Panero



O SUPLÍCIO

A febre se parece com Deus
A loucura: a última oração.
Longo tempo bebi de um estranho cálice
de álcool e fezes
e vi na maré da taça os peixes
atrozmente brancos de sonho.
E ao levantar a taça, digo
a Deus, te ofereço este suplício
e esta hóstia nascida do sangue
que todos olhos mana
como ordenando-me a beber, como ordenando-me morre
para que no fim seja ninguém
seja igual a Deus.


O ANTICRISTO (SEBASTIÃO NO SONHO)

No Metrô vi um homem grandiosamente belo
que olhava os homens como quem olha um peido
na rua vi um homem escandalosamente bonito
que tinha na testa o sinal de justiça,
o Branco 5, o Branco número
que dividiu os céus.
No espelho escuro
de um bar onde acreditavam,
alguns que viviam, havia já um Desperto
que olhava a cena como se existira.


CANÇÃO PARA UMA DISCOTECA

Não temos fé
no outro lado desta vida
só espera o rock and roll
diz a caveira que há entre minhas mãos
dança, dança o rock and roll
para o rock o tempo e a vida são uma miséria
o álcool e o haxixe não dizem nada da vida
sexo, drogas e rock and roll
o sol não brilha pelo homem,
o mesmo que o sexo e as drogas;
a morte é a cona do rock and roll.
Dança até que morte te chame
e diga suavemente entra
entra no reino do rock and roll.


DEDICATÓRA

Muito além de onde
ainda se esconde a vida, há
um reino, se cultiva
como um rei sua agonia,
floresce como um reino
a suja flor da agonia:
eu que me prostituí totalmente, ainda posso
prostituir minha morte e fazer

do meu cadáver o último poema.

* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Dois poemas inéditos de Julio Cortázar encontrados entre anotações de sua biblioteca



CLANDESTINO

A canção era assobiada pelo marinheiro na proa
e do vento passou aos lábios do grumete na despensa
repetindo-se, mais aguda, até o poente onde uma passageira
a reteve entre os dedos como um vilão,
deixando-a flutuar, titubeante,
em busca de alguém que soubera alçá-la do silêncio que espreitava.

Fui eu quem veio salvá-la do lago em que se afogava
e a deixei seguir até o tripulante de boina azul
que agarrado a um mastro jogava ao urso;
através dele nasceu outra vez, grave e segura,
e já nada deteve sua ronda até à popa
onde um marinheiro de rosto adormecido a susteve um segundo.

(Ai, ai,
ai, ai,
canta e não chores)

E a deixou partir, última bolha misturando-se ao pavão furioso da estrela.

Provence, 18/10/57

* Poema encontrado na última página da edição de Mimesis, de Eric Auerbach, publicada em 1950 pelo Fundo de Cultura Econômica.


MENSAGEM A UMA RAINHA

Majestade: mãos numerosas passeiam
Ao redor de teu esplêndido palácio
Alimentando-se de palavras
E cornucópias de onde saem leis mastigáveis
E fitas amarelas
Tudo está tão velho quando nasce!
Por quem és rainha, por quem jogas
Ao soltar o macramé de um tempo pegajoso
Enquanto te pintam unha a unha as cutículas
E os mendigos, em ação de graças,
Enchem um chapéu de retalhos manchados
Que o camareiro te trará entre reverências
Sob a forma de um Te amamos, Rainha,
Que vivas muitos Anos, hurra hurra

* Poema encontrado na última página de um folheto de Claude-Edmonde Magny.


Julio Cortázar nasceu a 26 de agosto de 1914 em Ixelles, na Bélgica. Sua obra, uma das mais importantes no âmbito da literatura latino-americana, se destaca pela inovação criativa e formal no trato narrativo. Ficou reconhecido pela publicação de vários títulos em prosa curta, como Histórias de cronópios e famas (1964). Seu livro mais lembrado é Rayuela (1963). Vez ou outra, se aventurou na poesia, gênero, aliás, que marcou sua estreia em livro na literatura: em 1938, sob o pseudônimo de Julio Denis publicou um livro de sonetos intitulado Presencia; quase quatro décadas mais tarde, em 1971, publica Pameos y meopas e, em 1984, Salvo el crepúsculo. Cortázar morreu em Paris, onde viveu extensa parte de sua vida, a 12 de fevereiro de 1984. 

** Traduções de Pedro Fernandes.


segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Três poemas de Emily Brontë traduzidos por Lúcio Cardoso



O VENTO DA NOITE

À meia-noite de verão, mole como um fruto maduro,
A lua sem véus lançou a sua luz
Pela janela aberta do parlatório,
Através dos rosais onde o orvalho chovia.

Sentada e perseguindo o meu sonho de silêncio,
A doce mão do vento brincava em meus cabelos
E sua voz me contava as maravilhas do céu.
E a terra era loura e bela de sono.

Eu não tinha necessidade do seu hálito
Para me elevar a tais pensamentos,
Mas um outro suspiro em voz baixa me disse
Que os negros bosques são povoados pelas trevas.

A folha pesada, nas águas da minha canção,
Escorre e rumoreja como um sonho de seda;
E, ligeira, sua voz miriápode caminha,
Dir-se-ia levada por uma alma fagueira.

E eu lhe dizia: "Vai-te, doce encantador.
Tua amável canção me enaltece e me acaricia,
Mas não creio que a melodia desta voz
Possa jamais atingir o meu espírito.

Vai encontrar as flores, as tuas companheiras,
Os perfumes, a árvore tenra e os galhos débeis;
Deixa meu coração mortal com suas penas humanas,
Permite-lhe escorrer seguindo o próprio curso."

Mas ele, o Vagabundo, não me queria ouvir,
E fazia seus beijos ainda mais ternos,
Mais ternos ainda os seus suspiros: "Oh, vem,
Saberei conquistar-te apesar de ti mesma!

Dize-me, não sou o teu amigo de infância?
Não te concedi sempre o meu amor?
E tu o inutilizavas com a noite solene,
Cujo morno silêncio desperta minha canção.

E quando o teu coração achar enfim repouso,
Enterrado na igreja sob a lousa profunda,
Então terei tempo para gemer à vontade,
E te deixarei todas as horas para ficar sozinha..."


JÁ NÃO É MAIS TEMPO

Já não é mais tempo para te chamar ainda,
Não quero mais embalar este sonho.
Assim o raio de alegria não durou senão um momento
E a dor infalível logo voltou impetuosa.

E depois a bruma já se levantou a meio;
A rocha estéril exibe o seu flanco nu,
Onde o sol e os primeiros olhares da aurora
Acabaram por adorar suas imagens nascentes.

Mas na memória fiel da minha alma,
Tua sombra amada será eternamente emocionante,
E Deus será o único a reconhecer sempre
O asilo abençoado que abrigou minha infância.


ÚLTIMA PALAVRAS

Eu não podia saber como é duro e cruel
Pronunciar a palavra Adeus;
Hoje no entanto volto como suplicante,
Para juntar às orações do coração a voz dos lábios.

A colina deserta e o inverno matinal,
Bem como a árvore de séculos nodosos,
Podem despertar o desprezo da tua alma:
Acharei para eles um desdém semelhante.

Tenho o direito de esquecer teus olhos negros,
Suas sombras,
E o encanto fascinante de teus lábios pérfidos.
Não renegaste as promessas sagradas
Que outrora formularam os teus lábios de fé?

Se basta ordenar para forçar o teu amor,
Se ele se deixar deter pela razão das paredes,
Não saberei obrigar uma alma a se afligir
Com semelhantes traições e friezas desta espécie.

Pois sei que existe mais de um coração
Que, ligando-se ao meu,
Por uma longa prova assegurou este laço.
E sei de um olhar cujo brilho passageiro
Durante muito tempo dividiu comigo o seu calor bendito.

Estes olhos serão para mim o Tempo e a Luz.
Minha alma com seu auxílio enfim se evadirá,
Eles expulsarão de mim os sonhos insensatos,
E as sombrias litanias onde a memória se aconchega.


Emily Brontë nasceu a 30 de julho de 1818, em Thornton, na Inglaterra. A obra sempre lembrada da escritora é o romance O morro dos ventos uivantes, publicado em 1847 e transformado em grande sucesso literário. Com as irmãs, Charlotte e Anne, publicou um ano antes uma coletânea de poemas assinada com os pseudônimos Ellis, Currer e Acton Bell, respectivamente. A poeta morreu no dia 19 de dezembro de 1848, em Haworth. 

* De O vento da noite, a edição organizada e apresentada por Ésio Macedo Ribeiro, publicada pela Editora Civilização Brasileira em 2016.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Os nomes da edição n.13 do caderno-revista 7faces



A edição cujas primeiras sementes já foram plantadas nas redes sociais do caderno-revista 7faces, em breve estará ao alcance dos nossos leitores. O n.13, cf. já divulgamos homenageia a poeta Ana Cristina Cesar, ou Ana C., como gostava de ser chamada. O nome foi escolhido muito antes de, ainda em 2015, sabermos que seria ela a homenageada da edição de 2016 da Festa Literária Internacional de Paraty. O anúncio, claro, teve um impacto, mas nosso interesse começou quando do início da reedição de sua obra por aqui. A oportunidade chegou. O nome da poeta sai de uma lista de outras mulheres que gostaríamos de não cometer o erro do esquecimento no âmbito de nossas publicações.

Mas, o motivo da notícia não é esse, porque é sabido, mas outro. É dizer aos poetas quais deles estarão nessa edição e deixar no leitor a expectativa sobre o que poderão ler nas páginas de um novo número caderno-revista 7faces. São eles: Lau Siqueira, Jørge Pereira, Fernanda Fatureto, Douglas Siqueira, Laís Araruna de Aquino, Marina dos Reis, Salvador Scarpelli, Leandro Rodrigues, Lúcio Carvalho, Karin Krogh, Jeovane de Oliveira Cazer, Cristiane Grando, João Pedro S. Liossi, Luís Otávio Hott, Ricardo Abdala, Nivaldete Ferreira, Carlos Barata, Laís Ferreira Oliveira e Fernanda Pacheco.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Dois poemas de Ingeborg Bachmann




ESTE FALAR SOMBRIO

Qual Orfeu canto eu,
com a Lira da Vida, a Morte,
e, de dentro da beleza do mundo
e dos olhos teus que regem os céus,
só sei este falar sombrio.

Não te esqueças que também tu, de súbito,
naquela manhã - quando o teu leito
estava ainda úmido de orvalho, e o cravo
ainda aguçava o coração teu -
tu também viste o Rio das Sombras
que passava por ti.

Enquanto a Lira Silenciosa
te retesava ainda as ondas de sangue,
eu agarrei teu coração pulsante.
Transformara-se a onda dos teus cabelos
no cabelo escuro da noite,
e nevava melancolia em ti,
os flocos a te cortar o rosto.

E eu não pertenço a ti.
Queixamo-nos ambos agora.

Mas qual Orfeu sei eu
sobre a vida, da Margem da Morte,
- e ante mim escurecem
os teus olhos pra sempre fechados.


SOMBRAS ROSAS SOMBRAS

debaixo d'um céu estrangeiro
sombras rosas
sombras
por sobre uma terra estrangeira
por entre rosas e sombras
coberta d'uma água estrangeira
minha sombra

* Tradução de Matheus Jacob Barreto

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Dois poemas de Nazik Al-Malaika




LAVAR A DESONRA

Mamãe! Um estertor, lágrimas, negrume.
O sangue flui, o corpo apunhalada treme,
O cabelo ondulado se suja de barro.
Mamãe! Só se ouve o carrasco.
Amanhã virá a aurora,
As rosas despertarão
À chamada dos vinte anos
E a esperança fascinada.
As flores dos campos respondem:
Deixou-se... lavar a desonra.
O brutal carrasco retorna e diz a todos:
A desonra? – limpa seu punhal –
Despedaçamos a desonra.
De novo temos virtude, boa fama, dignos.
Taberneiro! Onde estão o vinho e os copos?
Chama essa indolente beleza de alento perfumado
Por cujos olhos dariam o Corão e o destino.
Enche teu copo, açougueiro,
A morte levou a desonra.

Ao amanhecer, as meninas perguntarão por ela:
Onde está? A besta responderá:
matamo-la. Levava na frente
o estigma da desonra
e lavamo-la.
Os vizinhos contarão sua triste história
E até as palmeiras difundirão pelo bairro,
E as portas de madeira, que não a esquecerão.
As pedras sussurrarão:
“Lavar a desonra”
“Lavar a desonra”

Vizinhas do bairro, meninas do povoado
Amassaremos o pão com nossas lágrimas,
Cortaremos nossas tranças
Descoloriremos as mãos
Para que suas roupas permaneçam brancas e puras.
Não sorriremos nem nos alegraremos nem voltaremos
Porque o punhal, na mão de nosso pai
Ou de nosso irmão, nos vigia
E amanhã, quem sabe em qual deserto
Nos enterrará para lavar a desonra?


NOTURNO

A noite desliza pelos campos,
As mãos das nuvens passam pelo horizonte
E a escuridão dorme,
Em impressionante calmaria,
Sob as asas do silêncio.

Só se ouve o arrulho das pombas,
O murmúrio gemente dos córregos
E um ruído de passos na escuridão
Que caminham suavemente.

Sento, entregando-me à calma da noite,
Contemplo a cor da triste escuridão,
Lanço meus cantos ao espaço
E choro por todos os corações ingênuos.

Ouço o sussurro das palmeiras,
A chuva que cai na noite,
Os gemidos de uma rola na escuridão
Que canta longe entre os galhos
E a queixa distante de um moinho
Que geme na noite e chora de fadiga.
Seus gritos atravessam meus ouvidos
E vai morrer por trás das colinas.

Escuto... só se ouve as plantas.
Olho... só se vê a escuridão.
Nuvens, silêncio e uma noite triste.
Como não me sentir aflita?

A vida para mim é como esta noite:
Trevas, melancolia, desesperança,
Enquanto os demais sonham com clareza
Numa profunda e impressionante noite.

Choro contínuo da natureza,
Silêncio da escuridão, gemido dos ventos,
Suspiros da brisa noturna,
Lágrimas de orvalho nos olhos da manhã.

Vejo nas ribeiras da desgraça
A multidão dos aflitos,
O cortejo dos famintos
Afugentados pelos uivos do destino,
Sem poder pronunciar palavras de despedida.

Escuto: só os soluços
Mandam seu eco aos meus ouvidos
Por detrás das fortalezas e sobre os campos.
Então, quem pode cantar comigo?

No futuro levarei minha lira,
Chorarei a desgraça do universo
E declamarei minha compaixão pelo seu infortúnio

Aos ouvidos do cruel tempo.


* Traduções de Pedro Fernandes a partir das realizadas em espanhol direto do árabe por María Luisa Prieto.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Um poema de Louise Bogan



CANÇÃO

Ama-me que estou perdida;
ama-me que sou apenas pó.
Será heroico; homem algum o quis,
Nem um só!

Sê forte, o coração ao olhar-me
como outros olham minha face.
Ama-me; eu te previno: este é um lugar
devastado e terrível!


* Tradução Abgar Renault

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Dois poemas de Denise Levertov



OS MUDOS

Esses suspiros que os homens
soltam quando passam por uma mulher na rua
ou nas escadas do metrô
a fim de lhe dizer que é uma fêmea
pois assim sentem suas carnes,
são talvez espécie de som,
canção muito feia, feia mesmo, sussurrada
por um pássaro de língua serrada
mas feita para música?
Ou são grunhidos
de surdos-mudos encurralados numa sala que
aos poucos se enche de fumaça?
Talvez as duas coisas.
Tais homens parecem que
só sabem soltar tais sussurros,
no entanto uma mulher, apesar de si mesma,
sabe que lhes chama atenção:
se ela não tivesse graça
passariam por ela em silêncio:
logo, não é só porque ela seja
um buraco quente. É uma palavra
em língua sofrida, longe de ser
primitiva nem primária;
língua prenhe, doentia, senilizada,
em decrepitude. Ela deseja
desfazer-se do sussurro, repug-
nada, mas não consegue,
o sussurro prossegue zurrando em seus ouvidos,
muda o ritmo de seus passos,
os cartazes rasgados em corredores que ecoam,
verbalizam-no, ele
se estremece e range à chegada do trem.
O pulso dela sobriamente
acelerava-se, mas os vagões
param estridentes
enquanto sua compreensão
prossegue transladando
“Vida após vida após vida prossegue
sem poesia
sem decência
sem amor”.


* Tradução de Ary Gonzalez Galvão 


A QUEIXA DE ADÃO

Alguns,
não importa o que lhes é dado,
ainda querem a lua.
O pão, o sal,
carne branca ou vermelha,
ainda dão fome.
O leito nupcial
E o berço
ainda cruzam braços.
Recebem terras,
seu próprio chão sob os pés,
e ainda tomam estradas.
E água: escava-se poço mais fundo,
não é fundo bastante
para beber a lua.

* Tradução Ruy Vasconcelos

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Dois poemas de Frank O'Hara



AUTOBIOGRAPHIA LITERARIA

Quando eu era criança
eu brincava sozinho
canto do pátio da escola
totalmente solitário.

Eu detestava bonecos e eu
detestava jogos, os animais não eram
amigáveis e os pássaros
saíam voando.

Se alguém ficasse olhando
para mim eu me escondia atrás
de uma árvore e berrava “eu sou
um órfão.”

E aqui estou eu, o
centro de toda a beleza!
escrevendo estes poemas!
Imaginem!


POEMA

Café instantâneo com um pouco de creme
azedo,  e uma chamada telefônica mais além
a qual não parece estar ficando nem um pouco mais próxima.
“Ah, papai, eu quero me embebedar por muitos dias”
na poesia de um novo amigo
minha vida se segura precariamente em ver
as mãos dos outros, as deles e as minhas impossibilidades.
Será isso é amor, agora que o primeiro amor
finalmente morreu, lá onde não existiam impossibilidades?


Frank O’hara nasceu em Baltimore em 27 de março de 1926. Poeta, crítico e dramaturgo, formou o grupo fundador da chamada Escola de Nova York juntamente com John Ashbery e Kenneth Koch. Ocupou o cargo de curadoria do Museu de Arte Moderna de Nova York nos anos 1960. Publicou entre outros, A City Winter and Other Poems (1951), Oranges: 12 Pastorals(1969), Lunch Poems (1964) e Love Poems (Tentative Title) (1965). Morreu em Long Island em 25 de julho de 1966.

* Traduções de André Caramuru Albert.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Um poema de Anne Sexton



A CHAVE DOURADA

Quem fala neste caso
é uma bruxa de meia-idade, eu –
enredada em meus dois grandes braços,
cara num livro
e boca escancarada,
pronta pra lhes contar uma história ou duas.
Venho pra lembrar a vocês,
todos vocês: Alice, Samuel, Kurt, Eleanor,
Jane, Brian, Mariel,
todos vocês cheguem perto.
Alice,
aos cinquenta e cinco você se lembra?
Você lembra de quando liam
pra você na infância?
Samuel, aos vinte e dois você já se esqueceu?
Esqueceu dos sonhos às dez da noite
onde o rei perverso
sumia na fumaça?
Você está em coma?
Você está submerso?

Atenção, meus caros,
deixem-me apresentar o menino.
Tem dezesseis anos e quer algumas respostas.
Ele é cada um de nós.
Quero dizer você.
Quero dizer eu.
Não basta ler Hesse
e tomar caldo de galinha,
precisamos das respostas.
O menino encontrou uma chave dourada
e procura pelo que ela abrirá.
O menino!
Ao achar uma moeda,
procurava logo uma carteira.
O menino!
Ao achar uma corda
procurava logo a viola.
Portanto ele segura firme a chave.
Os mistérios dela choramingam
como uma cadela no cio.
Ele vira a chave.
Presto!
Ela abre este livro de contos estranhos
que transforma os irmãos Grimm.
Transforma?
 Como se um clipe de papel gigante
pudesse ser uma escultura.
(E poderia.)


* Tradução de Bernardo Antônio Beledeli