segunda-feira, 25 de julho de 2016

Um poema de Louise Bogan



CANÇÃO

Ama-me que estou perdida;
ama-me que sou apenas pó.
Será heroico; homem algum o quis,
Nem um só!

Sê forte, o coração ao olhar-me
como outros olham minha face.
Ama-me; eu te previno: este é um lugar
devastado e terrível!


* Tradução Abgar Renault

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Dois poemas de Denise Levertov



OS MUDOS

Esses suspiros que os homens
soltam quando passam por uma mulher na rua
ou nas escadas do metrô
a fim de lhe dizer que é uma fêmea
pois assim sentem suas carnes,
são talvez espécie de som,
canção muito feia, feia mesmo, sussurrada
por um pássaro de língua serrada
mas feita para música?
Ou são grunhidos
de surdos-mudos encurralados numa sala que
aos poucos se enche de fumaça?
Talvez as duas coisas.
Tais homens parecem que
só sabem soltar tais sussurros,
no entanto uma mulher, apesar de si mesma,
sabe que lhes chama atenção:
se ela não tivesse graça
passariam por ela em silêncio:
logo, não é só porque ela seja
um buraco quente. É uma palavra
em língua sofrida, longe de ser
primitiva nem primária;
língua prenhe, doentia, senilizada,
em decrepitude. Ela deseja
desfazer-se do sussurro, repug-
nada, mas não consegue,
o sussurro prossegue zurrando em seus ouvidos,
muda o ritmo de seus passos,
os cartazes rasgados em corredores que ecoam,
verbalizam-no, ele
se estremece e range à chegada do trem.
O pulso dela sobriamente
acelerava-se, mas os vagões
param estridentes
enquanto sua compreensão
prossegue transladando
“Vida após vida após vida prossegue
sem poesia
sem decência
sem amor”.


* Tradução de Ary Gonzalez Galvão 


A QUEIXA DE ADÃO

Alguns,
não importa o que lhes é dado,
ainda querem a lua.
O pão, o sal,
carne branca ou vermelha,
ainda dão fome.
O leito nupcial
E o berço
ainda cruzam braços.
Recebem terras,
seu próprio chão sob os pés,
e ainda tomam estradas.
E água: escava-se poço mais fundo,
não é fundo bastante
para beber a lua.

* Tradução Ruy Vasconcelos

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Dois poemas de Frank O'Hara



AUTOBIOGRAPHIA LITERARIA

Quando eu era criança
eu brincava sozinho
canto do pátio da escola
totalmente solitário.

Eu detestava bonecos e eu
detestava jogos, os animais não eram
amigáveis e os pássaros
saíam voando.

Se alguém ficasse olhando
para mim eu me escondia atrás
de uma árvore e berrava “eu sou
um órfão.”

E aqui estou eu, o
centro de toda a beleza!
escrevendo estes poemas!
Imaginem!


POEMA

Café instantâneo com um pouco de creme
azedo,  e uma chamada telefônica mais além
a qual não parece estar ficando nem um pouco mais próxima.
“Ah, papai, eu quero me embebedar por muitos dias”
na poesia de um novo amigo
minha vida se segura precariamente em ver
as mãos dos outros, as deles e as minhas impossibilidades.
Será isso é amor, agora que o primeiro amor
finalmente morreu, lá onde não existiam impossibilidades?


Frank O’hara nasceu em Baltimore em 27 de março de 1926. Poeta, crítico e dramaturgo, formou o grupo fundador da chamada Escola de Nova York juntamente com John Ashbery e Kenneth Koch. Ocupou o cargo de curadoria do Museu de Arte Moderna de Nova York nos anos 1960. Publicou entre outros, A City Winter and Other Poems (1951), Oranges: 12 Pastorals(1969), Lunch Poems (1964) e Love Poems (Tentative Title) (1965). Morreu em Long Island em 25 de julho de 1966.

* Traduções de André Caramuru Albert.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Um poema de Anne Sexton



A CHAVE DOURADA

Quem fala neste caso
é uma bruxa de meia-idade, eu –
enredada em meus dois grandes braços,
cara num livro
e boca escancarada,
pronta pra lhes contar uma história ou duas.
Venho pra lembrar a vocês,
todos vocês: Alice, Samuel, Kurt, Eleanor,
Jane, Brian, Mariel,
todos vocês cheguem perto.
Alice,
aos cinquenta e cinco você se lembra?
Você lembra de quando liam
pra você na infância?
Samuel, aos vinte e dois você já se esqueceu?
Esqueceu dos sonhos às dez da noite
onde o rei perverso
sumia na fumaça?
Você está em coma?
Você está submerso?

Atenção, meus caros,
deixem-me apresentar o menino.
Tem dezesseis anos e quer algumas respostas.
Ele é cada um de nós.
Quero dizer você.
Quero dizer eu.
Não basta ler Hesse
e tomar caldo de galinha,
precisamos das respostas.
O menino encontrou uma chave dourada
e procura pelo que ela abrirá.
O menino!
Ao achar uma moeda,
procurava logo uma carteira.
O menino!
Ao achar uma corda
procurava logo a viola.
Portanto ele segura firme a chave.
Os mistérios dela choramingam
como uma cadela no cio.
Ele vira a chave.
Presto!
Ela abre este livro de contos estranhos
que transforma os irmãos Grimm.
Transforma?
 Como se um clipe de papel gigante
pudesse ser uma escultura.
(E poderia.)


* Tradução de Bernardo Antônio Beledeli