segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Três poemas de Serguéi Tretiakóv



O ELEFANTE

O elefante é forte e parrudo,
Trabalha duro, aguenta tudo.
É esperto e bem-humorado,
Espirra água para todo lado
Na sua tromba comprida,
chega a 300 anos de vida

Veja como ele coça, tão educado,
com a tromba
                    A pata da frente.
Que bicho mais delicado:
É quase igual à gente.

Que ninguém se espante
Se três meninos
Virarem um elefante:
Os dentes, dois paus finos;
a tromba, as pernas de uma calça;
E o um cobertor, a pele falsa.

Senhoras e senhores, por favor!
Vejam só que primor!

O rabo, igualzinho, é um barbante.
Lá vai pelo quarto o elefante.
Pisa pesado, nunca se cansa
Pra lá, pra cá, a tromba balança.

Meu quarto é a selva e a campina
Onde dá gritos de meter medo.
Só que ele é de brinquedo,
Porque seus pés estão de botina!


A TARTARUGA

A tartaruga anda tão devagar
Que parece puxar um arado.
Leva duas horas para chegar
Da porta até o meu lado.

A tartaruga não faz mal a ninguém.
Se o cachorro vem, late e ameaça,
Em resposta, ela chia para ele também
E se encolhe dentro da carapaça.

Um menino rasteja: nas costas, uma bacia.
Lá vem o cachorro, curioso demais,
Derruba a bacia, vê o que antes não via.
Tartaruga e menino não mesmo iguais?


O AVESTRUZ

Agora escute bem, garotada,
A história de uma ave muito falada,
Vive nas terras do Sul, cheias de luz,
Toda coberta de penas de avestruz.
É o avestruz mesmo, e corre feito o vento.
cem quilômetros ele cruza num momento.
Não pia nem canta, mas é bicudo.
come prego, come vidro, come tudo.
Só é brabo na hora do perigo.
Pensando que achou um abrigo,
Enfia a cabeça debaixo da asa,
Acha que assim entrou numa casa,
E que se ele não vê ninguém,
Ninguém vê o avestruz também.

Matviei, menino sabido
Prende nas costas um ramo florido.
Pronto: o avestruz já tem rabo.
Da vassoura, pega só o cabo
E amarra uma bola na ponta.
A cabeça já está pronta.
Olha o avestruz aí, gente!
E se algum garoto, de repente,
Tenta pegar o bicho em casa,
Ele enfia a cabeça debaixo da asa,
corre pra lá do rio,
         pra lá do moinho,
E o rabo cai pelo caminho.

* Tradução de Rubens Figueiredo

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Dois poemas de Adrienne Rich



OS TIGRES DA TIA JENNIFER

Habitantes de um mundo verde vestidos de topázio,
Curveteiam sobre a tela os tigres da Tia Jennifer,
Não temem os homens por debaixo das árvores;
Movem-se seguros e lustrosos como cavaleiros.

Esvoaçando por entre as lãs os dedos da Tia Jennifer
Acham até difícil puxar a agulha de marfim.
O volume maciço da aliança de casamento do Tio
Carrega pesadamente na mão da Tia Jennifer.

Quanto ela estiver morta, as mãos aterradas da Tia Jennifer
Ostentarão ainda os anéis das provações que a dominaram.
Os tigres que ela fez em cima daquela tela
Continuarão a curvear, altivos e destemidos.


A CHUVA DE SANGUE

Nas pedras quentes da vida naquele ano de breu,
Uma chuva irada, de sangue vermelha, choveu.
Sob as arremetidas daquela aridez molhada
Jardim algum se ergueu, ou cresceu haste tombada,
Como de um céu sem sol todo o dia choveu
E os homens voltavam das ruas de terror
Todos manchados daquele desnatural icor.
Sob a noite os amantes irritados não apagavam
A luz, mas por sobre o seu respirar escutavam
O som que ouve na morte quem está para morrer.
Cada um perguntava, e ninguém ousava dizer
Que ominoso sinal naquela torrente de fogo caía.
E jazíamos toda a noite, enquanto em cima chovia
Forte a chuva de pingos como se sangrasse o céu;
E cada madrugada despertávamos para aquele escarcéu
E os homens sabiam que podiam estancar a ferida,
Mas todos amaldiçoavam a cidade acometida,
Os telhados culpados pela chuva fustigados.

Adrienne Rich nasceu a 16 de maio de 1929, em Baltimore, Maryland. Os seus primeiros trabalhos, incluindo A Change of World (1951), com o qual ganhou o prestigiado Yale Younger Poets Award, estavam muito próximos à forma exata da poesia, termo radicalizado a partir de sua obra das duas décadas seguintes. Essas transformações começam com Snapshots of a Daughter-in-Law (1963), uma antologia que explora questões de identidade, sexualidade e política, marcadamente pelo interesse na justiça social, no anti-belicismo e num radical feminismo, questões que se espraiam em Necessities of Life (1966), Leaflets (1969) e The Will to Change (1971). Com Diving into the Wreck (1973), ganhou o National Book Award. Além de poesia, escreveu ensaios, parte deles reunidos em A Human Eye: Essays on Art in Society (2009). Morreu no dia 27 de março, na sua cidade natal. 



* Tradução de Maria Irene Ramalho e Monica Varese Andrade


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Dois poemas de José Kozer



MADAME CHU        


         Madame Chu (ao amanhecer) guardanapos de linho, chá verde (ou chá
                   do Ceilão) e uns pãezinhos à base de gema (levíssimos)
                   marmelada de vacínios.

         E como uma natureza-morta um ovo duro em seu cálice
                   pequeno de porcelana (toalha orlada com uma franja
                   de cruzinhas vermelho amarelo vermelho) gravada, dois limões.

         Modorra, ainda: ontem à noite brotaram de seu sonho uns escaravelhos                           difusos, passou um porta-voz do Imperador diante de sua
                   janela (cobrindo-se de glória com um monólogo) e um
                   leque

         se desfez.



UM DIA FELIZ EM UM POEMA NAIF JUNTO A UMA PORTA ENVIDRAÇADA

Charamelas, um piano-forte em um campo de
          samambaias.

Sou um recém-chegado, bem de saúde, sentado na cadeira de
         cânfora na posição de shogun.

O leão imperial olha no alto a torre de um azulejo a
outro no solo vermelho lajotas brancas leão e
torre azuis, da cozinha: o grande azulejo
incrustado na parede da cozinha olha no alto
desde um leopardo verde-oliva gargantilha sépia
          o espetáculo (salpicaduras) da luz do sol, no solo.

Agora o ar tem ar de recém-chegado de haver sido     
          ameaçado por cítaras entre lauréis de Índias,        

A pera de água que acabo de morder tinha o
          corpanzil de buda, litros e decilitros, ar e água
          (dois decentes animais) compensam todo gasto
          do corpo.

E a pura verdade é que a mulher do bosque tocando
          o harmônio está morta; já não é fêmea.

Invocação: o ar que acalenta o campo de papoulas
          traz a fêmea acaçapada; vai, mexeriqueira.

* Tradução: Cláudio Daniel e Luiz Roberto Guedes


segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Dois poemas de Ibn Al-Zaqqaq

O OLHAR

Os olhos desse cervo me assassinam.
Sua languidez minha languidez provoca.
Desnuda sem cessar para matar-me,
a espada é apenas o que embainha o sonho.


NOITE DE AMOR

Tão débil e frágil é sua cintura
como opulenta e belo seu quadril.
Curta é a noite e voa, se ela vem
levada por outras asas que não as do prazer.
Não há delícia maior que sua visita.
Uma aurora me abraça até a aurora,
raios seus braços em meu pescoço,
os meus cintos de sua cintura.

* Tradução de Pedro Fernandes de O. Neto