domingo, 25 de dezembro de 2016

Dois poemas de Lucila Nogueira



SERVENTIA DA POESIA

Para alguma coisa há de servir
toda uma vida dedicada a ti
poesia meu estranho anjo da guarda
não há de ser para a fama
nem me fará mais amada
nem aplausos no palanque
nem no circo de lona rasgada
pirâmides de livros pela casa
qualquer dia toco fogo
e paro e sumo e me calo
mas há de servir para algo
a palavra entrecortada
o coração desabrido
a poesia ignorada
para salvar um amigo
do terror do suicídio
há de servir para algo


NÃO É FÁCIL MORRER

não é fácil morrer e eu te recordo
recoberto de flores nesse espaço
onde te colocamos para sempre
tão belo mas tão frio o teu estado

vivendo a morte pelo outro lado
do espelho magnético da alma
vivendo a sorte de dormir calado
e acordar invisível para a amada
tendo só sua mente por cenário
(forças desconhecidas e secretas
 nas ruínas românticas do claustro)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Três poemas de Harold Pinter



O MUNDO ESTÁ PRESTES A REBENTAR

Não olhes.
O mundo está prestes a rebentar.

Não olhes.
O mundo está prestes a despejar a sua luz
E a lançar-nos no abismo das suas trevas,
Aquele lugar negro, gordo e sem ar
Onde nós iremos matar ou morrer ou dançar ou chorar
Ou gritar ou gemer ou chiar que nem ratos
A ver se conseguimos de novo um posto de partida. 


O TEU OLHAR NOS MEUS OLHOS

Sempre onde tu estás
Naquilo que faço
Viras-te agarras os braços

Toco-te onde te viras
O teu olhar nos meus olhos

Viro-me para tocar nos teus braços
Agarras o meu tocar em ti

Toco-te para te ter de ti
A única forma do teu olhar
Viro o teu rosto para mim

Sempre onde tu estás
Toco-te para te amar olho para os teus olhos. 


TU À NOITE

Tu à noite havias de escutar
A trovoada e o ar ambulante.
Tu nessa margem hás-de virar
Para onde estão as intempéries dominantes.

Toda essa honrada esperança
Ruirá na ardósia,
E destroçará o inverno
Que vocifera a teus pés.

Se bem que ardam os altares apaixonantes,
E que o sol deliberado
Faça ladrar a águia,
Tu avançarás na corda bamba. 

* Tradução Jorge Silva Melo e Francisco Frazão.