segunda-feira, 14 de março de 2016

Dois poemas de Ramón Palomares



ENTRE O RIO

Para Eduardo Aray

Vou entrar em um rio
tiro a roupa e entre e abro a sua porta
e olho dentro de sua casa
e vou-me sentar nas cadeiras negras
e nos espelhos;
quando fale escuto o que diz e o que quer
e como manda em todos e diz que vai redemoinhar
e verei quando suas patas comecem a despedaçar a ladeira

Tomarei água de seu coração e beberei seu pescoço
e farei gargarejos e cuspirei dentro
e nos olhos colocarei pedras e retirarei os diamantes
e os pedaços de outro
e nos olhos porei uns gatos
e verei que vestido usa e como faz para correr
e se está dormindo escarvarei a ver que sonha.

Eu vi o que come o rio e vi sua mesa
e tinha pratos como goiabas podres e gado morto e casas
todas as semeaduras que levou
e um fio verde, bem verde, como um anjo.
Estive sentado a ver um grande campo que estava embaixo
e ali cantam todos e punham-se arroxeados
até que se ouviu uma voz fortíssima
e saíram igrejas e ruas das nuvens
e todos correram
e começou o rio a dizer que ia morrer.


* Tradução: Antonio Miranda


MÁSCARAS

Aqui que existimos no limiar da mentira
que nossa vida é impalpável
que estas pessoas representadas pertencem
a um dono de outra ordem.
Cumprimos integralmente uma cena
ante o grande público. Assim recriamos por sob os astros
e chegamos a um acordo no espaço
saindo do encalço dos nossas partidos.
Nosso coração está emprestado a outros personagens
murmuramos um sonho e nossos lábios não são responsáveis,
somos belos ou nobres segundo as circunstâncias.
Toma-nos um delírio incerto
e caímos nos cenários sob uma vontade estranha.
E não temos vida,
pois andamos sobre rodas de um país desconhecido
cujas flores nos interessam de maneira frívola
e cujas mulheres nos amam em alcovas de falsidade.
Produzimos um fogo e seu coração azul
crepita com mais força que o nosso
enquanto ardem a madeira à maneira de sangue.
Permitimo-nos ser estrangeiros. Falsos.
Levar uma emoção não sincera.
Enquanto andamos, desterrados de nosso corpo
num interminável passeio.

* Traduzido por Pedro Fernandes