segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Três poemas de Emily Brontë traduzidos por Lúcio Cardoso



O VENTO DA NOITE

À meia-noite de verão, mole como um fruto maduro,
A lua sem véus lançou a sua luz
Pela janela aberta do parlatório,
Através dos rosais onde o orvalho chovia.

Sentada e perseguindo o meu sonho de silêncio,
A doce mão do vento brincava em meus cabelos
E sua voz me contava as maravilhas do céu.
E a terra era loura e bela de sono.

Eu não tinha necessidade do seu hálito
Para me elevar a tais pensamentos,
Mas um outro suspiro em voz baixa me disse
Que os negros bosques são povoados pelas trevas.

A folha pesada, nas águas da minha canção,
Escorre e rumoreja como um sonho de seda;
E, ligeira, sua voz miriápode caminha,
Dir-se-ia levada por uma alma fagueira.

E eu lhe dizia: "Vai-te, doce encantador.
Tua amável canção me enaltece e me acaricia,
Mas não creio que a melodia desta voz
Possa jamais atingir o meu espírito.

Vai encontrar as flores, as tuas companheiras,
Os perfumes, a árvore tenra e os galhos débeis;
Deixa meu coração mortal com suas penas humanas,
Permite-lhe escorrer seguindo o próprio curso."

Mas ele, o Vagabundo, não me queria ouvir,
E fazia seus beijos ainda mais ternos,
Mais ternos ainda os seus suspiros: "Oh, vem,
Saberei conquistar-te apesar de ti mesma!

Dize-me, não sou o teu amigo de infância?
Não te concedi sempre o meu amor?
E tu o inutilizavas com a noite solene,
Cujo morno silêncio desperta minha canção.

E quando o teu coração achar enfim repouso,
Enterrado na igreja sob a lousa profunda,
Então terei tempo para gemer à vontade,
E te deixarei todas as horas para ficar sozinha..."


JÁ NÃO É MAIS TEMPO

Já não é mais tempo para te chamar ainda,
Não quero mais embalar este sonho.
Assim o raio de alegria não durou senão um momento
E a dor infalível logo voltou impetuosa.

E depois a bruma já se levantou a meio;
A rocha estéril exibe o seu flanco nu,
Onde o sol e os primeiros olhares da aurora
Acabaram por adorar suas imagens nascentes.

Mas na memória fiel da minha alma,
Tua sombra amada será eternamente emocionante,
E Deus será o único a reconhecer sempre
O asilo abençoado que abrigou minha infância.


ÚLTIMA PALAVRAS

Eu não podia saber como é duro e cruel
Pronunciar a palavra Adeus;
Hoje no entanto volto como suplicante,
Para juntar às orações do coração a voz dos lábios.

A colina deserta e o inverno matinal,
Bem como a árvore de séculos nodosos,
Podem despertar o desprezo da tua alma:
Acharei para eles um desdém semelhante.

Tenho o direito de esquecer teus olhos negros,
Suas sombras,
E o encanto fascinante de teus lábios pérfidos.
Não renegaste as promessas sagradas
Que outrora formularam os teus lábios de fé?

Se basta ordenar para forçar o teu amor,
Se ele se deixar deter pela razão das paredes,
Não saberei obrigar uma alma a se afligir
Com semelhantes traições e friezas desta espécie.

Pois sei que existe mais de um coração
Que, ligando-se ao meu,
Por uma longa prova assegurou este laço.
E sei de um olhar cujo brilho passageiro
Durante muito tempo dividiu comigo o seu calor bendito.

Estes olhos serão para mim o Tempo e a Luz.
Minha alma com seu auxílio enfim se evadirá,
Eles expulsarão de mim os sonhos insensatos,
E as sombrias litanias onde a memória se aconchega.


Emily Brontë nasceu a 30 de julho de 1818, em Thornton, na Inglaterra. A obra sempre lembrada da escritora é o romance O morro dos ventos uivantes, publicado em 1847 e transformado em grande sucesso literário. Com as irmãs, Charlotte e Anne, publicou um ano antes uma coletânea de poemas assinada com os pseudônimos Ellis, Currer e Acton Bell, respectivamente. A poeta morreu no dia 19 de dezembro de 1848, em Haworth. 

* De O vento da noite, a edição organizada e apresentada por Ésio Macedo Ribeiro, publicada pela Editora Civilização Brasileira em 2016.