segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Dois poemas de José Kozer



MADAME CHU        


         Madame Chu (ao amanhecer) guardanapos de linho, chá verde (ou chá
                   do Ceilão) e uns pãezinhos à base de gema (levíssimos)
                   marmelada de vacínios.

         E como uma natureza-morta um ovo duro em seu cálice
                   pequeno de porcelana (toalha orlada com uma franja
                   de cruzinhas vermelho amarelo vermelho) gravada, dois limões.

         Modorra, ainda: ontem à noite brotaram de seu sonho uns escaravelhos                           difusos, passou um porta-voz do Imperador diante de sua
                   janela (cobrindo-se de glória com um monólogo) e um
                   leque

         se desfez.



UM DIA FELIZ EM UM POEMA NAIF JUNTO A UMA PORTA ENVIDRAÇADA

Charamelas, um piano-forte em um campo de
          samambaias.

Sou um recém-chegado, bem de saúde, sentado na cadeira de
         cânfora na posição de shogun.

O leão imperial olha no alto a torre de um azulejo a
outro no solo vermelho lajotas brancas leão e
torre azuis, da cozinha: o grande azulejo
incrustado na parede da cozinha olha no alto
desde um leopardo verde-oliva gargantilha sépia
          o espetáculo (salpicaduras) da luz do sol, no solo.

Agora o ar tem ar de recém-chegado de haver sido     
          ameaçado por cítaras entre lauréis de Índias,        

A pera de água que acabo de morder tinha o
          corpanzil de buda, litros e decilitros, ar e água
          (dois decentes animais) compensam todo gasto
          do corpo.

E a pura verdade é que a mulher do bosque tocando
          o harmônio está morta; já não é fêmea.

Invocação: o ar que acalenta o campo de papoulas
          traz a fêmea acaçapada; vai, mexeriqueira.

* Tradução: Cláudio Daniel e Luiz Roberto Guedes