Também esta noite passará
Esta solidão em torno
sombra titubeante de fios viários
sobre o úmido asfalto
Olho como os cocheiros
a meio-sono
cabeceiam
Como esta pedra
de São Miguel
tão fria
tão dura
tão ressecada
tão refratária
tão totalmente
exânime
Como esta pedra
é o meu pranto
que não se vê
A morte
desconta-se
vivendo
Com minha fome de lobo
amaino
meu corpo de cordeiro
Sou como
a barca ínfima
e o libidinoso oceano
Quando
me morresse
esta noite
e feito um outro
pudesse olhá-la
e adormecer-me
ao rugitar
das ondas
afinal
enoveladas
à cerca de acácias
de minha casa
Quando me despertar
no teu corpo
que se modula
feito voz de rouxinol
Se extenua
como a cor
reluzente
do grão maduro
Na transparência
da água
o ouro velino
da tua pele
se brunirá de mouro
Librada
pelos ladrilhos
estrídulos
do ar serás
como pantera
Ao talho
móvel
da sombra
te esfolharás
Rugindo
emudecida na
poeira
me sufocarás
Depois
entreabrirás as pálpebras
Veremos nosso amor reclinar-se
feito o entardecer
Depois verei
sereno
no horizonte de betume
de tuas íris morrerem-me
as pupilas
Agora
o ar sereno se clausura
assim como
na minha terra da Africa
os jasmins
Perdi о sono
Oscilo
num canto da rua
qual lucíola
Me Morrerá
esta noite?