sexta-feira, 3 de março de 2017

Dois poemas de Paulo Hecker Filho


DESASTRE COMO ESTRELA COMOVIDA

Se alguma coisa tenho para dar-te,
Se alguma coisa me sobrou da vida:
Selvagem, mas talvez maior que a arte,
Foi um desastre como uma estrela comovida.

Era quem sabe o que eu pedia ao vento
Quando pulsava o dia como um louco.
Voar, sem fim, sedento de desfazimento,
Em luz, como uma estrela, em força, como um soco.

E sobrou-me esta estrela entre os braços,
Perdida como uma outra nos espaços.
em seu fogo me fundo e me refaço

Para arder outra vez em seu regaço.
E o que trago da vida e reentrego à vida
— Um desastre como uma estrela comovida.


CIGARRO

A brasa silenciosa me consome o cigarro.
Olho-a e me deixo ir junto, incinerando.
Há um gosto de fim no acre sabor do sarro
e a fumaça me enlaça feito um fantasma brando.

Vou lançando no ar volutas em que esbarro
impulsos de um querer que se desfaz pairando.
E o cinzeiro me dá uma náusea de barro
com a tumba circular das baganas cheirando.

O ameno suicídio de fumar isolado. . .
A vida a reduzir-se à chama que caminha
para o centro de um eu que se vê descentrado.

Me abandono a fumar, fica tudo afastado.
Vou indo pelo tempo à hora que avizinha
de enfim não ter vivido, mas fumado. . .


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