segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Três poemas de Andrei Biéli



CANÇÃO PARA GUITARRA

Eu
Estou nas palavras
Tão morbidamente
Mudo:
Minhas sentenças são
Máscaras.
E –
Falo
A vós todos –
– Falo
Fábulas –,
– Porque –
Assim me foi designado,
A razão –
Não a entendo –
– Porque –
Há tempos tudo se foi no escuro,
Porque – tudo é igual:
Quer eu
Saiba ou não saiba.
Porque só há tédio em toda parte,
Porque a fábula é de esmeralda,
Onde –
Tudo é outro.
Porque há esta avidez dos borrifos
Do prazer;
Porque a difícil
Existência
Para todos
– Tem um só desenlace.
Porque –
– Em suma –,
– Para que
Este inferno?
Porque –
– Para todos
Há um só fim.
E me rompe este riso
Do
Destino
De todos –
– E –
– De
Mim.

(1922)


BURLA

No
Vale
Uma vez
Em sonho

Ante
Vós
Eu, 

Velho
Tolo –,

A
Tocar
Mandolina.

Vós
Ouvíeis
Atento.

E –
– O Antigo Zodíaco.
Um dia
Surraram-me
E
Me
Expulsaram
Do
Circo

Em
Farrapos
E
Em
Sangue,
A clamar –
– Por Deus!
– Deus!
– Deus!

E
Pelo –
– Amor universal.

Vós
Por acaso
Encontrastes
O palhaço
Cantante.

Parastes
Para escutar
O canto.

Vós –
Observastes

O barrete
De bufão.

Vós –
Dissestes
Convicto:
– “Este
É o caminho
Da iniciação...”

Vós –
Em sonho
Mirastes

O –
– Zodíaco.
(1915) 

* Tradução de Augusto de Campos


A PALAVRA

Na febre de som
Do sopro
A trave é flama-fala.

Lá fugindo da laringe,
A terra exala.

Expiram
As almas
Das palavras não-compostas.

Deposita-se a crosta
Dos mundos que nos portam.

Sobre o mundo formado
Paira a profundidade
Das palavras proferíveis.

Profundamente ora
A palavra das palavras, Sarça viva.

E do futuro
Paraíso
Alça-se a serra adunca
Por onde em chamas, consumido,
Não passarei: nunca.

(1917) 

* Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman


segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Dois poemas de Tristan Corbière



AVENTURA GALANTE E A VENTURA

                              Odor della feminità.
Eu faço o ponto, quando belo vai o dia,
Para a passante que, com satisfação,
À ponta da sombrinha me fisgaria
O piscar da pupila, a pele do coração.

E acho que estou feliz – um pouco – é a vida:
O mendigo distrai a fome na bebida…

Um belo dia – triste ofício! – eu, assim,
– Ofício!.. – velejava. Ela passou por mim.
– Ela quem? – A Passante! E a sombrinha também!
Lacaio de carrasco, toquei-a… – porém,

Contendo um sorriso, Ela espiou meus botões
E… estendeu-me a mão, e…
                                                        me deu uns tostões.



DESENCORAJOSO

Foi um poeta verdadeiro: Não tinha canto.
Morto: ele amava o dia e desdenhava o pranto.
Pintor: ele não pintava, esquecido que era…
Ele via muito – e ver é uma cegueira.

– Sonhador: habitava o sonho, que se esvai,
Sem ir com ele às nuvens, de onde se cai,
Sem abrir seu personagem e buscar-se dentro.

– Puro herói de romance: ele adorava a loura
Bruma ao sol que amorena, e a lua que nos doura…
Mas não amava nunca – Ele não tinha tempo. –

– Explorador incansável: Remos a remar
Cá embaixo ele via, do alto de seu olhar,
Lasso de piedade pelas boas remadas…

Mineiro das idéias: tocava a fronte espessa,
Para coçar uma espinha ou coçar a cabeça
Em seu trabalho – Fazer nada. –

– Falava: “Sim, a Musa é estéril! é filha
De amor, ociosidade, prostituição;
Não deformem a moça em ventre de família
Que cobre o garanhão para a reprodução!

“Entornem a massa, pedreiros das idéias!
Vocês que, amados por seu capricho insensato,
–Tudo é vaidade! –, quando o dia clareia,
Mostram-na com alarde aos olhos dos beatos!

“Ele acariciava, como se afoga um gato,
E vocês prenderam sua asa ou seu véu,
Orgulhosos de empunhar a pluma do pato,
Ou pó-de-mico, para agitar o pincel!”

– Ele dizia: “Ó florinha! Ingênuo Oceano!
Não creiam que nos faltem pintores e poetas!…
O vidraceiro pinta! e tem por sucedâneo
Um cego que canta raspando a palheta,

Ou um cego que pinta com a clarineta!
–É isso a arte?…”
                                     – Restou-lhe no Sublime Besta
Afogar o orgulho vazio e a virgindade.

* Tradução de Marcos Antônio Siscar

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Um poema de Nikolai Gumilev




O ENCONTRO

Hoje virás até mim.
Hoje enfim compreenderei
por que é tão triste e estranha
a solidão com a lua.

Pálida deterás
e em silêncio te despirás.
Não é assim como a lua
se levanta sobre o espesso bosque?

Enfeitiçado pela lua,
preso a ti,
serei feliz com minha vida,
as trevas e o silêncio.

Assim a besta das selvas tristes
ao sentir a primavera
escuta o sussurro das horas
e ver passar a lua.

Cautelosa se desliza no barranco
a despertar os sonhos da noite
e seu passo ágil se desenvolve
com os passos da lua.

Como ela quero calar-me,
olhar e prostrar,
guardando solene silêncio,
teu silêncio, oh, Noite!

E haverá muitas luas claras
em mim e ao meu redor;
pálida costa de dunas
se abrirá chamando-me.

O mar ver e rumoroso
me trará as trevas
corais, flores e pérolas,
dons de terras distantes.

E o alento de mil seres
desvanecidos há muito tempo,
e o sonho obscuro das coisas mudas,
e o estrelado vinho.

Partirás e escutarei
o último cato da lua
e verei de novo como surge o dia
sobre a calma das dunas pálidas.

* Tradução de Ricardo Paz.

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Três poemas de Mark Strand



CONQUISTA DO FILÓSOFO

O melancólico instante persiste,
E o oráculo depois da porta,
Sempre a torre, o barco, o trem distante.
Num lugar ao Sul matam um Duque,
Uma guerra se ganha. Aqui é muito tarde.

O melancólico instante persiste.
Aqui, uma tarde de outono sem chuva,
Num balaio, apenas duas alcachofras;
Sempre a torre, o barco, o trem distante.
Volta a doer a infância nesta cena?
Por que nesse relógio são 1 e 28?

O melancólico instante persiste.
Reino de mor: sua luz verde-amarela
Cai sobre a angústia do destino;
Sempre a torre, o bote, o trem distante.
Quer nossa visão que retenhamos
O peso intolerável destas coisas.

O melancólico instante persiste,
Sempre a torre, o bote, o trem distante.


PRESERVAR INTACTAS AS COISAS

Num campo
sou ausência
de campo.
Sempre
é assim.
Onde quer que esteja
sou o que falta.

Ao caminhar
separo o ar
e o ar
preenche sempre
os vazios
onde meu corpo esteve.

Todos temos razões
para nos mover.
Eu me movo
para preservar intactas as coisas.


MEU FILHO

À maneira de Carlos Drummond de Andrade

Meu filho,
meu único filho,
o que nunca tive,
seria hoje um homem.

Move-se
no vento,
sem nome nem carne.
Às vezes

vem
e apoia a cabeça,
mais leve que o ar,
em meu ombro

e lhe pergunto:
Filho
onde estás?
onde te escondes?

E me responde
com alento frio,
nunca ouviste
quando te chamei

e chamei
e continuei chamando-te
de um lugar
mais além
muito além do amor,
onde tudo
onde nada

quer nascer.

Mark Strand nasceu a 11 de abril de 1934 em Summerside, Canadá. Eleito integrante da Academia Americana de Artes de Letras em 1981, foi um dos mais importantes nomes da poesia no país do qual adotou sua nacionalidade. Em 1999, por exemplo, recebeu o Prêmio Pulitzer de Poesia pelo livro Bizzard of One: Poems. Também se destacou na escrita em prosa (contos, livros para criança e ensaios sobre criação poética e artes plásticas). Strand morreu em Nova York a 29 de novembro de 2014. 


* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto