segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Dois poemas de Aleksandr Blok



FÁBRICA

No prédio há janelas citrinas.
E à noite – quando cai a noite,
Rangem aldravas pensativas,
Homens aproximam-se afoitos.

E os portões fechados, severos;
Do muro – do alto do muro,
Alguém imóvel, alguém negro
Numera os homens sem barulho.

Eu, dos meus cimos, tudo ouço:
Ele os chama, com voz de aço,
Costas curvas, sofrido esforço,
O povo aglomerado embaixo.
Eles hão de entrar à porfia,
Hão de pôr às costas o fardo.
Riso nas janelas citrinas:
Tapearam os pobres-diabos.

1903

* Tradução de Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman


RAVENA 

Tudo o que é instante, tudo o que é traço
Sepultaste nos séculos, Ravena.
Como uma criança, no regaço
Da eternidade estas, serena.

Sob os portais romanos os escravos
Já não trazem mosaicos pelas vias.
O ouro dos muros arde
Nas basílicas lívidas e frias.

Os arcos dos sarcófagos desfazem,
Sob o beijo do orvalho, as cicatrizes.
Nos mausoléus azinhavrados jazem
Os santos monges e as imperatrizes.

Todo o sepulcro gela e cala,
Os muros mudos, desde o umbral,
Para não acordar o olhar de Gala,
Negro, a queimar por entre a cal.

Das pegadas de sangue e dor e insídia
O rastro já se apaga e se descora,
Para que a voz gelada de Placídia
Não se recorde das paixões de outrora.

O longo mar retrocedeu, longínquo,
As rodas circundaram as ameias,
Para que os restos de Teodorico
Não sonhem com a vida em suas veias.

Onde eram vinhedos – ruínas.
Gente e casas – tudo é tumba.
Sobre o bronze as letras latinas
Troam nas lajes como trompa.

Apenas, no tranquilo e atento olhar
Das moças de Ravena, mudamente,
Às vezes uma sombra de pesar
Pelo irrecuperável mar ausente.

À noite, inclinado nas colinas,
Só, pondo os séculos à prova,
Dante – perfil aquilino –
Canta para mim da Vida Nova.

Maio-junho de 1909

* Tradução de Augusto de Campos

Aleksandr Blok nasceu a 28 de novembro de 1880. Filho de uma conceituada família ligada às humanidades — o pai era professor de Direito, a mãe, escritora — fez seus estudos por caminhos semelhantes: concluiu em 1906 a Faculdade de Letras na Universidade de Petersburgo. Seu avô materno foi reitor nessa instituição. Iniciou sua carreira literária ainda quando estudante, período de efervescência na vida criativa e amorosa; um ano depois do primeiro livro, editado em 1904, casa-se com a filha do renomado químico Dmitri Miendieléiev. Parte da sua literatura transita entre o simbolismo (movimento no interior do qual ficou reconhecido) e a poesia social, ainda que abdicasse do primeiro designativo e nesta última estivesse mais interessado numa dinâmica anarquista. Seu trabalho mais conhecido é o  poema “Os doze”, considerado por muitos revolucionário e por outros, como obra alheia ao verdadeiro espírito da Revolução de 1905. Morreu a 7 de agosto de 1921.