segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Dois poemas de Natércia Freire



REGRESSO

Quem é? Quem vem?
A porta não estacou
e todos pela mesa olham pasmados. 
Só eu amimo a voz:
— Olhem quem vem!  Reparem quem voltou!
Rolam silêncios fundos e pesados.

Imóvel no meu barco de luar,
os meus olhos venceram as ramadas. 
Música longa... Um sino a palpitar. 
Calçadas e calçadas...

Presépios com pastores de palmo e meio. 
Velas que são faróis... Cresceu a bruma. 
Deitem-me assim, num jeito de menina,
e envolvam-me de espuma.

— Olhem quem vem!  Reparem quem voltou,
que tem os braços que eu gritei além!

— Vou com ele, não volto, minha Mãe!

Vou com ele nos uivos da tormenta,
com ele vou pregada na paixão.
Medo de quê?  Oceanos azulados...
Medo de quê?  Neblinas e canções...
— Dentro do Espaço adoçam-se pecados
e morrem solidões.

Sem braços me tomou na posse enorme.
Roçou-me os lábios, simples sem ter boca.
Ele é quem diz: — Sossega, dorme, dorme...
E nunca mais me toca!

As tardes, mesmo ao longo dos casais,
cegos: falas de gestos a ninguém...

Quem é? Quem vem?
Para sempre me tomou  ...

— Vou com ele, não volto, minha Mãe!


NADA TIVE QUE ERA MEU

Nada tive que era meu. 
Perdi estradas, perdi leito. 
Na pedra aonde me deito
Nada fala de alvos linhos. 
Se com cegos me aventuro,
a caminho rente aos muros,
é que meus olhos impuros
sonham Cristos nos caminhos.

Nada tive que era meu
e o corpo não quero eu. 
Podia servir de embalo,
mas serve de sepultura.

Cemitério de asas finas,
tange e plange aladas crinas,
canto de praias sulinas
de infinitas amarguras...

Natércia Freire nasceu em 1920 em Benavente e ainda criança foi com a família viver em Lisboa. Desde cedo se dedicou à música e à poesia. Concluiu o Liceu em 1932 e dois mais tarde se envolve com José Isidro dos Santos com quem se casa. Estreia sua obra poética em 1935 com o livro Castelos de sonho; depois publica Meu caminho de luz (1939), trabalho cuja recepção pela crítica e pelos leitores foi calorosa. No início da década de 1940 inicia colaboração com a Emissora Nacional como palestrante; neste mesmo período publicou Estátua (1941) e Horizonte fechado (1942). O título seguinte, Rio infindável (1947) rendeu-lhe o prêmio Antero de Quental. Desde então as premiações passaram a ser recorrentes. Na década seguinte, enquanto coordenadora da página “Artes e Letras” do Diário de Notícias, onde ficou até 1974, venceu o prêmio Ricardo Malheiros com Infância de que nasci (1955) e em 1971, por Os intrusos, o prêmio Nacional de Poesia. Morreu no dia 17 de dezembro de 2004 em Lisboa. 

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Dois poemas de Umberto Saba



ULISSES

Na minha juventude naveguei
ao longo das costas da Dalmácia. Ilhéus
à flor das ondas emergiam, onde raro
uma ave buscava a sua presa,
cobertos de algas, escorregadios, ao sol
belos como esmeraldas. Quando a noite
e a maré alta os ocultavam, as velas
sob o vento o largo demandavam,
para fugir da cilada. Hoje o meu reino
é essa terra de ninguém. No porto
acendem-se as luzes para outros; a mim para o alto mar
me leva ainda o não domado espírito,
e da vida o doloroso amor.


MELRO

Existia aquele mundo ao qual em sonhos
regresso ainda; que em sonhos me abala?
Claro que existia. E uma boa parte dele eram
minha mãe e um melro.

A ela mal a vejo. Mais o negro ressalta
e o amarelo de quem ledo me saudava
com seu canto (era isto o que pensava)
a mim que o ouvia da rua. Minha mãe
sentava-se, estafada, na cozinha. Cortava
só para ele (era isto o que pensava)
e para o meu jantar a carne. Nada
que visse ou que ouvisse tanto o excitava.

Entre uma criança engaiolada e um insectívoro,
que os pequenos vermes arrancava à sua mão,
naquela casa, nesse mundo de então,
havia um amor. Havia também um equívoco.

Umberto Saba nasceu em Triste a 9 de março de 1883. Escreveu prosa, sobretudo romances, e poesia, matéria centrada, como destaca a crítica, na busca persistente de uma perfeição e coerência formais com que cobrir a aspereza do vivido do sentido. Morreu no dia 25 de agosto de 1957 em Gorizia. 

* Tradução de José Manuel de Vasconcelos


sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Edição n.14 da Revista 7faces está online



Mário Peixoto (1908-1992) foi ligado, pela amizade ou pela criatividade, a nomes  como Clarice Lispector e Lúcio Cardoso, entre outros; autor de um livro elogiado por Jorge Amado e Manuel Bandeira que revolucionou o romance brasileiro, O inútil de cada um – obra que até agora os leitores só conhecem o primeiro de um todo de seis volumes e este único título ainda há muito fora de circulação no mercado editorial. Igualmente exímio poeta, elogiado por Mário de Andrade como um autêntico modernista. Mas, pouco lembrado por sua literatura.

Sobre Mário Peixoto sempre se recorda quando o assunto é o cinema. Foi o realizador de um filme elogiado por nomes como Orson Welles e peça de culto da cinematografia brasileira. Limite, tal como sua prosa e sua poesia, é uma obra desconcertante em todos os aspectos.

Todas as facetas do artista são exploradas por estudiosos de sua obra na edição 14 da Revista 7faces; além de fotografias, reproduções de poemas, manuscritos, inéditos, falam sobre o trabalho artístico literário de Mário Peixoto, Geraldo Blay Roizman, Ciro Inácio Marcondes, Saulo Pereira de Mello, Roberta Gnattali e Joel Pizzini. 

Apresentada durante os dias 13 e 14 de novembro de 2017 no evento Mário Peixoto. A poesia que reside nas coisas, a edição organizada por Filippi Fernandes, Cesar Kiraly e Pedro Fernandes traz ainda poemas de José Luís Peixoto,Jonas Leite, Chary Gumeta (poeta mexicana traduzida por Pedro Fernandes), Rodrigo Novaes de Almeida, Lucas Rolim, Gabriel Abilio de Lima Oliveira, Carlos Augusto Pereira, Geovane Otavio Ursulino, Rosa Piccolo, Izabela Sanchez, Orlando Jorge Figueiredo, Diego Ortega dos Santos, Lucas Facó e Felipe Simas.

Acompanha este número, um catálogo com poemas, excertos da prosa e outras imagens do arquivo Mário Peixoto.

Tudo disponível online no site da Revista 7faces.

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Encontro celebra a obra de Mário Peixoto

Mário Peixoto. Foto: Arquivo Mário Peixoto


Cineasta. Romancista. Poeta. Todas as facetas do multiartista Mário Peixoto são exploradas por estudiosos de sua obra na edição 14 da Revista 7faces, com sublinhado para sua produção literária. Este número reúne, além de ensaios, material diverso de arquivo e inéditos do autor. Marca desta publicação Mário Peixoto. A poesia que reside nas coisas –  alusivo à memória e à obra do autor. O evento ocorre nos dias 13 e 14 de novembro de 2017, no Centro Cultural IBEU (endereço abaixo). A entrada livre, sujeita a lotação da sala. Você pode confirmar presença para o evento aqui


CENTRO CULTURAL IBEU
Av. N. S. de Copacabana, 690 • 11º andar
Copacabana – Rio de Janeiro
Tel: (21) 3816-9441/9458 • cultural@ibeu.org.br