sexta-feira, 23 de junho de 2017

Quatro poemas de Claribel Alegría



DEIXA-ME ENTRAR

Deixa-me entrar em tua dor,
não romperei o silêncio.
Levarei rosas frescas que o perfumem
e meu amor como uma lamparina.
Para teu céu escuro
guardo fogo de estrelas,
pássaros fluorescentes
e reinos de nuvens brancas.
Deixa-me entrar;
esperarei até que me abras.
Estou sozinha na sombra
e o sopro do vento morde.


AQUI ESTOU

Aqui estou, outra vez,
presa em meu anel de silêncio
querendo adivinhar a voz do mundo
que me chega confusa.
Ouço de longe a dor,
não sei o canto do gozo,
um muro de névoa me rodeia
e é de fogo minha angústia.
Vem em meu socorro, vento,
rompe minha prisão leve e leva-me a uma ilha sem muros
onde possa ouvir todas as vozes!

CANTO AO FILHO QUE VEM

Por minha corrente sanguínea
fazes tua viagem ao mundo,
e te imagino belo,
coroado de júbilo e mistério.
Como serão teus olhos?
Porventura se abrirão entre minhas águas quietas?
Como será tua voz que já meu amor sustenta?
Adivinho-lhe carregada de sóis e distâncias,
recolhendo seu aroma por verdes litorais.
Por que fui eu e não outra a que engendrou teu alento?
Tenho medo que herdes minha tristeza,
minha solidão,
minha angústia.
Mergulhado em meu interior de trevas
teu coração palpita.
Chegam a ele os incendiados rios de meu corpo.
Por que através de mim fazes tua entrada ao pranto?
Se romperão tuas asas entre minhas penas duras
e em vez do canto um grito chegará em teus ouvidos.

CARTA AO TEMPO

Estimado senhor:
Escrevo esta carta em meu aniversário.
Recebi seu presente. Não gostei.
Sempre e sempre o mesmo.
Quando criança, impaciente o esperava;
vestia-me de festa
e saía à rua a anunciá-lo.
Não seja tenaz.
Todavia o vejo
jogando xadrez com o avô.
No início eram esparsas suas visitas;
logo se tornaram cotidianas,
e a voz do céu
foi perdendo seu brilho.
E você insistia
e não respeitava a humildade
de seu doce caráter
e seus sapatos.
Depois me cortejava.
Era eu adolescente
e você com esse rosto que não muda.
Amigo de meu pai
para ganhar a mim.
Pobrezinho do avô!
Em seu leito de morte
você estava presente,
esperando o fim.
Um ar insuspeito
flutuava entre a mobília.
Pareciam mais brancas as paredes.
E havia alguém mais;
você fazia sinais.
Fechou os olhos do avô
e se deteve um instante a me contemplar.
Proíbo-lhe que volte.
Cada vez que o vejo
corre-me pela espinha um frio.
Não me persiga mais,
suplico-lhe.
Há anos que amo outro,
e já não me interessam suas oferendas.
Por que me espera sempre nas vitrines,
na boca do sonho,
sob o céu indeciso do domingo?
Conheça sua saudação cerrada.
Eu o vi outro dia com as crianças.
Reconheci seu traje:
o mesmo tweed de sempre
quando eu era estudante
e você amigo de meu pai:
seu ridículo traje de entretempo.
Não volte,
Repito.
Não se fique mais em meu jardim.
Assustará as crianças
e as folhas caem:
Eu vi.
De que serve tudo isso?
Se vai rir um pouco
com esse riso eterno
e seguirá vindo ao meu encontro.
Os meninos,
meu rosto,
as folhas,
tudo extraviado em suas pupilas.
Ganhará sem remédio.
Ao começar minha carta já sabia.


Foi a única da América Central a ganhar o Prêmio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana - feito alcançado em 2017. Vivia em Manágua, capital da Nicaráuga, seu país natal. Claribel é uma das vozes mais representativas da literatura centroamericana do século XX. Nasceu em maio de 1924 na cidade de Estelí; cresceu em Santa Ana, região ocidental de El Salvador, onde vivia a família materna. Sua poética, de um estilo oral se moveu por temas que vão da denúncia social e o compromisso político, ao amor, a solidão e o esquecimento. Associada geralmente à chamada Geração Engajada (a qual pertenceu o salvadorenho Roque Dalton), por sua obra de corte político, Alegría publicou mais de duas dezenas de livros ao longo de sua vida; obra que foi traduzido em vários idiomas. Também traduziu obras de escritores anglo-saxões e escreveu ensaios e romances. Além do Reina Sofía, ganhou o Prêmio Internacional Neustadt de Literatura. Morreu no dia 25 de janeiro de 2018.

* As traduções são de Pedro Fernandes