segunda-feira, 3 de julho de 2017

Três poemas de Lila Ripoll



VIM AO MUNDO EM AGOSTO

Sou triste de nascença e sem remédio.
Vim ao mundo no triste mês de agosto
o mês fatal das chuvas e do tédio,
e nasci quando o sol estava posto.

Vim ao mundo chorando... (o meu presságio!)
Um vento mau marcava na vidraça
o plangente compasso de um adágio,
anunciando agoirento uma desgraça.

Sou triste. É irremediável este mal.
E eu não quero curar minha tristeza.
Só ela para mim tem sido leal,
Na minha via-sacra de incerteza.

Sou triste de nascença. É mal sem cura.
A vida não desfez meu nascimento.
Sou a menina triste e sem ventura,
que em agosto nasceu, com chuva e vento.

RETRATO

Chego junto do espelho. Olho meu rosto.
Retrato de uma moça sem beleza.
Dois grandes olhos tristes como agosto,
olhando para tudo com tristeza!

Pequeno rosto oval. Lábios fechados
para não revelar o meu segredo...
Os cabelos mostrando, sem cuidados,
Uns fios brancos que chegaram cedo.

A longa testa aberta, pensativa.
No meio um traço, leve, vertical,
indicando uma ideia muito viva
e os sérios pensamentos: — o meu mal!...

O corpo bem magrinho e pequenino.
— Sete palmos de altura, com certeza. —
Tamanho de qualquer guri menino
que a idade, a gente fica na incerteza!

E nada mais. A alma? Ninguém vê.
O coração? Coitado! está bem doente.
Não ama. Não odeia. Já não crê...
E a tudo vive alheio, indiferente!...

Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho.
O espelho é meu amigo. Nunca mente.
No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.
E sabe desde quando estou descrente!...


CANÇÃO DE AGORA

Ontem meu peito chorava.
Hoje, não.
Também cansa a desventura.
Também o sol gasta o chão.

Estava ontem sozinha,
tendo a meu lado, sombria,
minha própria companhia.
Hoje, não.

Morreu de tanto morrer
a pena que em mim vivia.
Morreu de tanto esperar.
Eu não.

Relógios do tempo andaram
marcando o tempo em meu rosto.
A vida perdeu seu tempo.
Eu não.

Também cansa a desventura.
Também o sol gasta o chão.