segunda-feira, 30 de abril de 2018

Dois poemas de Gerard Manley Hopkins




NOITE ESTRELADA

Olha as estrelas! Olha, lá em cima nos céus!
Olha aquela tribo de fogo assentada no ar!
Burgos iluminados, ali a cidadela circular!
Em escuros bosques, grotas de diamantes, olhos d'elfos!
Pombos-flocos em revoada, enxotados do pátio da fazenda!
Frios-pálidos prados, onde o ouro, mercúrio-d'ouro jaz!
Folhas-arminho ao vento, alvos-aéreos álamos a faiscar! -
Pois bem! Tudo isso é precioso, tudo está à venda.

Compra-os, faz tua oferta! Qual? Preces, paciência,
              penitência, penares.
Olha, olha: a turbulência de maio, como nos galhos dos
              pomares!
Olha! A florada de março - qual salgueiros com um pó
              d'ouro polvilhando-os!
Isto é só o palheiro; dentro da casa, em feixes, o trigo -
Paliçada cintilando que guarda o esposo, Cristo
Em seu lar: Cristo, Sua mãe e todos os Seus santos.


A PRIMAVERA

Nada é tão belo quanto a primavera -
As ervas aneladas, suculentas, longas, lindas;
Os ovos do tordo - pequenos céus; e o tordo que erra
Entre os troncos ecoando, tão bem ele nos lava e limpa
O ouvido, que seu canto atinge-nos assim como um
             relâmpago;
A pereira, como de vidro, abre-se em folhas e flores; elas
             roçam
O azul, céu abaixo; e o azul se expande num ímpeto
De pujança; e também os cordeiros em disparada se lançam.

E que é toda essa alegria, o que é todo esse sumo?
É um vigor do doce ser da terra em seu começo
No edênico jardim. - Enquanto é puro, segura-o, possui-o,
Antes que se tolde, se azede em pecado, Ó Cristo, abriga
As almas inocentes, festa-de-maio do jovem, da rapariga -
Dignas de conquistas, Ó filha da virgem - tuas primícias.


Gerard Manley Hopkins nasceu em 28 de julho de 1844 em Stratford, Reino Unido. É, como sua contemporânea estadunidense Emily Dickinson, um poeta cuja obra só veio a ser divulgada postumamente. Apenas em 1918 seus poemas foram reunidos; o amigo Robert Bridges temia que o público não estivesse preparado para receber um autor tão à frente de seu tempo. Desde a aparição de sua obra, notou-se um dos autores mais originais da poesia em língua inglesa. Educado em Oxford, seus primeiros poemas são marcados por um acentuado conteúdo espiritual. Foi parte na Companhia de Jesus, quando parou de escrever e queimou seus poemas. Em Gales ampliou seus estudos e voltou a escrever; é desse período o longo poema “The Wreck of Deutschaland” (1875), cuja originalidade reside no emprego de um vocabulário arcaico acompanhado de uma sintaxe e sistema rítmico insólitos. Padre, ensinou em vários colégios religiosos, incluindo disciplinas como literatura grega, quando esteve em Dublin, onde continuou escrevendo poesia. Influência decisiva em poéticas como a de T. S. Eliot, Dylan Thomas e W. H. Auden. Morreu em Dublin, em 8 de junho de 1889.

* Traduções de Aíla de Oliveira Gomes.  

quinta-feira, 26 de abril de 2018

Os nomes da edição n.16 da Revista 7faces

Herberto Helder. Foto: Lacerda



Poucos poetas conseguiram reunir a um só tempo o trabalho acurado com a palavra e o cultivo de uma legião de leitores quase mística. As últimas edições da obra de Herberto Helder provam as duas coisas: reanimava um universo poético há muito significativo para a criação literária em língua portuguesa enquanto seus livros passavam pelas livrarias como fantasmas – porque nascidos objetos de cobiça, tão logo apareciam desapareciam, restando um rastro de expectativa pela reedição ou a revisão do poeta de sua obra completa. A atmosfera mística favoreceu ao aparecimento do mítico: a escolha pela reclusão e pela recusa foram elementos formadores da persona que agora permanece a nos comunicar através de sua poesia. Em 2018, passam-se três anos que o poeta nos deixou.

A edição da Revista 7faces que chega online no mês de maio celebra a obra de Herberto Helder, cf. noticiamos há alguns meses em nossa página no Facebook. É organizada pelo poeta Leonardo Chioda que reuniu importantes nomes de estudiosos da obra do poeta português na composição do conjunto de ensaios publicados neste número.

Além disso, o n.16 do periódico traz poemas de Mariana Basílio, Eduardo Quina, Hugo Lima, Valter Hugo Mãe (seleção de textos do seu inédito no Brasil publicação da mortalidade), Camila Assad Quintanilha, Gabriel Faraco, Laura Elizia Haubert, Carlos Arthur Rezende Pereira, Cristiane Bouger, Jorge de Freitas, Diogo Bogéa, José Pascoal, Lucas Perito, Antônio LaCarne, Gabriel Stroka Ceballos, Diego Ortega dos Santos, Gregório Camilo, Guilherme Lessa Bica, José Huguenin e Fabrício Gean Guedes.


segunda-feira, 16 de abril de 2018

Dois poemas de Frank Bidart




CANÇÃO

Você sabe que é ali a toca
onde o urso por algum
tempo deixa de existir.

Entre. Afinal, você matou bastante e comeu
bastante para ficar gordo o bastante
e por algum tempo deixar de existir.

Entre. É preciso talento para viver à noite, e esconder
dos outros esse talento, mas agora você fareja
a temporada em que é preciso deixar de existir.

Entre. O que cresce dentro de você,
para o bem ou para o mal, exige que
por algum tempo você deixe de existir.

Não está chovendo lá dentro
esta noite. Você sabe que é lá. Rasteje e entre.


SONHO REVELA EM NEON OS GRANDES VÍCIOS
AMOR e seu simulacro, sexo.

As palavras, como uma fogueira em caixa
de vidro, reluziram no horizonte.

PODER e seu simulacro, dinheiro.

FAMA e seu simulacro, celebridade.

DEUS, sucedido
pelo que sobrevive à fé, o desejo de ser

Santo.

Semeia as tuas obsessões, elas são
os vícios que tentam tua alma.

Depois, vendo a palavra ARTE, acordei.


*
Recusaste amor, poder, fama, santidade, tua
tática, como a do modesto

César, é fingir indiferença e recusa.
És adicto do que não podes possuir.

Não sabes dizer
se os vícios, segredos, narcóticos

arruínam ou ampliam
a mente com a qual apreendes o mundo.

Frank Bidart nasceu na Califórnia em 27 de maio de 1939. Publicou extensa obra poética que combina poemas dramáticos longos com produções breves e elípticas baseadas na mitologia clássica, reinventando formas de desejos que desafiam as normas sociais. Três primeiros de seus títulos foram reunidos na antologia In the Western Night: Collected Poems. Em 2016 organiza Half-light: Collected Poems, que reúne os poemas desta antologia até as produções deste ano. Com esta obra recebeu o Prêmio Pulitzer de 2018.

* Traduções de Carlos Machado

segunda-feira, 9 de abril de 2018

@LeiaPoesiaBr



Por muito tempo assistimos projetos de divulgação de poesia no Twitter interessados em dar a conhecer poetas e poemas de determinados países e apesar de encontrarmos vários divulgadores brasileiros, grande parte deles também poetas, nenhuma proposta assinalava o interesse em veicular exclusivamente os nomes e as obras do Brasil.

Isso não tem a ver com certos nacionalismos tacanhos desenvolvidos por aí. Nem de determinação de uma obra sobre outra. Tem a ver com uma aprendizagem pelo conhecimento e reconhecimento do nosso lugar nessa extensa massa de informações que vagam à força dos bytes. Queremos uma casa para estar em casa.

Deste então unimos esforços para levar adiante a projeto que inaugura despretensiosamente com um perfil que atende pelo nome de @LeiaPoesiaBr e cujo interesse é disponibilizar o acesso a um poema, a um poeta, ao que nossos poetas fazem por aqui e fora daqui. E iniciamos com um convite apetitoso – o primeiro de muitos, assim esperamos.

Em parceira com o Letras in.verso e re.verso vamos sortear um exemplar da edição fac-similar de Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade recém-editado pela companhia das Letras. É uma gentileza do pessoal do blog que remanejou todos os títulos de poesia que sorteariam em suas redes sociais para o projeto lançado por este veículo. Para saber como participar da promoção e da ideia é muito simples: segue @LeiaPoesiaBr e retuíta nossos dardos / veja abaixo /




Para colaborar (atenção, editoras, recebemos livros de poesia brasileira) é só buscar informações através do nosso e-mail revistasetefaces@ymail.com


segunda-feira, 2 de abril de 2018

Três poemas de Ângelo de Lima




Pára-me de repente o pensamento 
Como que de repente refreado 
Na doida correria em que levado 
Ia em busca da paz, do esquecimento... 

Pára surpreso, escrutador, atento, 
Como pára m cavalo alucinado 
Ante um abismo súbito rasgado... 
Pára e fica e demora-se um momento. 

Pára e fica na doida correria... 
Pára à beira do abismo e se demora 
E mergulha na noite escura e fria 

Um olhar de aço que essa noite explora... 
Mas a espora da dor seu flanco estria 
E ele galga e prossegue sob a espora. 



O MAR

Semelhante a Algum Monstro, Quando Dorme 
— O Mar... Era sombrio, Vasto, Enorme... 
— Arfando Demorado, 
— Imenso sob os Céus! 

— Tal Imenso e Sombrio, O Mar Seria 
— E assim, Em Vagas Tristes Arfaria 
No Tempo EM que o Espírito de Deus 
— Sobre Ele era Levado! 



SOZINHO

Quando eu morrer m'envolva a Singeleza, 
Vá sem Pompa a caminho do coval, 
Acompanhe-me apenas a tristeza 
Não vá do bronze o som de val' em val! 

Chore o céu sobre mim de orvalho as bagas 
Luz do sol-posto fulja em seu cristal, 
Cantem-me o «dorme em paz» ao longe as vagas. 

Gemente a viração entoe o «Amém» 
Vá assim té ermas, afastadas plagas... 
Lá... fique eu só! 
                   Não volte lá ninguém! 


Ângelo de Lima nasceu no Porto no dia 30 de julho de 1872. Foi um poeta da corrente simbolista, membro da revista Orpheu, que viria a integrar expedição militar a Moçambique de onde regressou em estado mental debilitado. Da sua obra destacam-se Poemas inéditos, Poesias Completas e Poemas in Orpheu 2 e outros escritos. O poeta morreu em Lisboa no dia 14 de agosto de 1921.