segunda-feira, 18 de junho de 2018

Dois poemas de Zulmira Ribeiro Tavares




VESUVIO

Tua cabeça a prumo emplaca o tempo.
Dentro dela guardas o Vesuvio
que nunca chegaste a ter em pedra e lava,
mas em tela, plasma, figura.

Perto do Vesuvio, em esfuminho,
o perfil de teu amor esvaecido
há tantos anos.
E escutas chegar pelo esfuminho
como por um canal de cinzas
o professor Silvério cantarolando
nas aulas de desenho, o teu fracasso.

E tens no teu fracasso a mão direita
duplicada dentro da cabeça
suja de carvão e tinta a óleo.
A esquerda se apoia no joelho
e faz figa para o mundo: um sucesso.
Tua cabeça a acolhe com ternura
e com firmeza a ambas:
a submissa e a da recusa.

Um dia arrastarás, a tua cabeça,
para altas esferas,
como o saco de Noel (que delas desce)
a quem chamam pai,
papai para os pequenos —
pelo que distribui de vida adulta
adiantada em maquete e aos pedaços
com o impagável nome de brinquedos.

Cruzarás com ele e te farás de sonso.

Já tu agora de nada queres ser destituído.
Isso foi antes.
Sem acordo com Noel, não distribuirás,
e a usura será a tua força.
Sobre o teu pescoço, firmes
como o saco de Noel nos ombros,
terás dentro da cabeça
vivos, tudo:
do Vesuvio em tela à lava do teu corpo.



A MANCHA DE COR

Se com o passar dos anos vamos perdendo os pelos que nos faziam orgulhosos por sua fricção animal e sua vizinhança dos capinzais na boa estação, 

E, ainda, se vamos perdendo a água que nos deixava luminosos como sinaleiras, como elas atentos e úteis — isso ainda não é sério. 

Podemos avançar nas perdas. 

Mas, quando os dias se excedem, espichamo-nos como as sombras do poente, somos ginastas rastejadores, as sombras são nossos pijamas de elástico e fumo, elas nos levam estirados na direção do sol desaparecido dentro de sua mancha de cor. 

Nossas sombras são sombras estradeiras. 

Somos estradeiros com as sombras e corremos para nada dentro da mancha de cor.

Zulmira Ribeiro Tavares nasceu no dia 27 de julho 1930, em São Paulo. Publicou, entre contos, romances e poemas,  Termos de comparação (Perspectiva, 1974, prêmio revelação APCA), O japonês dos olhos redondos (Paz e Terra, 1982), O nome do bispo (Brasiliense, 1985, prêmio Mercedes-Benz de literatura), O mandril (Brasiliense, 1988) e Joias de família (1990, prêmio Jabuti de romance). Morreu no dia 9 de agosto de 2018. 



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