sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Três poemas de Hugo Padeletti




LUZ NEGRA

O coração sangrento
do Abismo,
o Olho que decide os destinos
escravos,
esculpiu seu templo no fundo
do fundo da luz.
Está sentado
para sempre no trono
de si mesmo,
cujo recinto real, livre
de todo servilismo
é sempre, sempre, sempre o mesmo Abismo

de luz negra.


POUCAS COISAS

A Haydée e Juan Grela

e sentido comum
e a jarra de louça, graciosa,
com o ramo
resplandecente.

A difícil
extração do sentido
é simples:

o ato claro
no momento claro
e poucas coisas
verde
sobre branco.


AGORA SOU UM OLHO

Agora sou um olho
imóvel no céu,
uma nostalgia sem eu
que forma nuvens no céu.

Agora sou a imagem do quadro, sobre fundo
de vermelho sombrio,
o olhar perdido em insondável dignidade,
reclinado num marco de ouro.

Amanhã terei caído
num poço de sangue,
numa velha armadilha familiar,
terei me enredado entre os fatos.

Amanhã terei me rebaixado até num tapete
desgastado,
até o pó que acende os desejos,
até a culpa.


Hugo Padeletti nasceu em Alcorta no dia 15 de janeiro de 1928. Os anos vividos nesse ambiente rural impregnaram logo seus poemas, atentos à passagem das estações do ano, à natureza e “à paixão delicada embora firme do real”, como escreveu Juan José Saer. Publicou seu primeiro livro de poesia aos trinta anos e a partir de então desenvolveu uma das obras poéticas mais sólidas, sábias e belas da literatura argentina. A criação plástica cresceu acompanhada a vários de seus livros, como La atención (1999), em que os textos aparecem acompanhados pela obra gráfica. No início dos anos 1960 viajou a Berna com bolsa de estudos para estudar a obra de Paul Klee; foi nomeado diretor do Museu de Belas Artes Rosa Galisteo de Rodríguez, situado na capital de sua província natal. Radicado desde 1984 na cidade de Buenos Aires, em 1989 publicou Poemas 1960-1980, antologia com a qual obteve o Prêmio Boris Vian; em 1990 publicou Parlamentos del viento; Apuntamientos en al Ashram no ano seguinte. A partir de então aspectos de diferentes religiões orientais e ocidentais, como a culpa, o perdão e a graça ganharam parte na sua obra. Publicou ainda outros títulos como Plancton (1998) e Canción de viejo (2003). Morreu em 12 de janeiro de 2018.

* Traduções de Pedro Fernandes de O. Neto