segunda-feira, 19 de março de 2018

Quatro poemas de Vicente Huidobro




ELA

Ela dava dois passos para frente
Dava dois passos para trás
O primeiro passo dizia bom dia senhor
O segundo passo dizia bom dia senhora
E os outros diziam como está a família
Hoje é um dia bonito como uma pomba no céu

Ela trajava uma blusa ardente
Ela tinha olhos de apaziguadora de mares
Ela havia escondido um sonho num armário escuro
Ela havia encontrado um morto em meio de sua cabeça

Quando ela chegava deixava uma parte mais bonita muito longe
Quando ela ia algo se formava no horizonte para esperá-la

Em seus olhares estavam feridas e sangravam sobre a colina
Tinha os seios abertos e cantava as trevas de sua idade
Era bonita como um céu sob uma pomba

Tinha uma boca de aço
E uma bandeira mortal desenhada entre os lábios
Ria como o mar que sente carbonos em seu ventre
Como o mar quando a lua se olha afogar-se
Como o mar que mordeu todas as praias
O mar que transborda e cai no vazio nos tempos de abundância
Quando as estrelas arrulham sobre nossas cabeças
Antes que o evento norte abra seus olhos
Era bonita em seus horizontes de ossos
Com sua blusa ardente e seus olhares de árvore fatigada
Como o céu a cavalo sobre as pombas.


CAMINHO

Um cigarro vazio

Ao longo do caminho
Desfolhei meus dedos

E jamais olhar para trás

Minha cabeleira
E uma fumaça deste cigarro

Aquela luz me conduzia
Todos os pássaros sem asas
Em meus ombros cantaram

Mas meu coração cansado
Morreu no último ninho

Chove sobre o caminho
E vou buscando o lugar
onde minhas lágrimas caíram.


DIAS E NOITES TE BUSQUEI

Dias e noites te busquei
Sem encontrar o lugar onde cantas
Te busquei pelo tempo acima e pelo rio abaixo
Te perdestes entre as lágrimas

Noites e noites te busquei
Sem encontrar o lugar onde choras
Porque eu sei que estás chorando
Basta-me com olhar-me num espelho
Para saber que estás chorando e me chorastes

Só tu salvas o pranto
E de mendigo escuro
O fazes rei coroado por tua mão


HORAS

A aldeia
Um trem parado sobre a planície

Em cada poça
dormem estrelas surdas

E a água tremula
Cortinados ao vento

A noite suspensa no bosque

No campanário florido

Uma goteira viva
Sangra as estrelas

De quando em quando
As horas maduras
Caem sobre a vida

Vicente Huidobro nasceu em 10 de janeiro de 1893 em Santiago do Chile. Foi um poeta de vanguarda muito influente na poesia do século XX e considerado pelos chilenos um dos maiores poetas da literatura em seu país e da América Latina; por outros, figura como um dos quatro grandes poetas do Chile – com Pablo Neruda, De Rokha e Gabriela Mistral. Nome importante de um movimento que chamou de Criacionismo. Deixou extensa obra, da qual se destacam Horizon Carré (1917), Tour Eiffel (1918), Saisons Choisies (1921) e Poemas árticos (1918). O poeta morreu em 2 de janeiro de 1948 em Cartagena, Chile.


* Traduções de Pedro Fernandes de Oliveira Neto.