segunda-feira, 2 de abril de 2018

Três poemas de Ângelo de Lima




Pára-me de repente o pensamento 
Como que de repente refreado 
Na doida correria em que levado 
Ia em busca da paz, do esquecimento... 

Pára surpreso, escrutador, atento, 
Como pára m cavalo alucinado 
Ante um abismo súbito rasgado... 
Pára e fica e demora-se um momento. 

Pára e fica na doida correria... 
Pára à beira do abismo e se demora 
E mergulha na noite escura e fria 

Um olhar de aço que essa noite explora... 
Mas a espora da dor seu flanco estria 
E ele galga e prossegue sob a espora. 



O MAR

Semelhante a Algum Monstro, Quando Dorme 
— O Mar... Era sombrio, Vasto, Enorme... 
— Arfando Demorado, 
— Imenso sob os Céus! 

— Tal Imenso e Sombrio, O Mar Seria 
— E assim, Em Vagas Tristes Arfaria 
No Tempo EM que o Espírito de Deus 
— Sobre Ele era Levado! 



SOZINHO

Quando eu morrer m'envolva a Singeleza, 
Vá sem Pompa a caminho do coval, 
Acompanhe-me apenas a tristeza 
Não vá do bronze o som de val' em val! 

Chore o céu sobre mim de orvalho as bagas 
Luz do sol-posto fulja em seu cristal, 
Cantem-me o «dorme em paz» ao longe as vagas. 

Gemente a viração entoe o «Amém» 
Vá assim té ermas, afastadas plagas... 
Lá... fique eu só! 
                   Não volte lá ninguém! 


Ângelo de Lima nasceu no Porto no dia 30 de julho de 1872. Foi um poeta da corrente simbolista, membro da revista Orpheu, que viria a integrar expedição militar a Moçambique de onde regressou em estado mental debilitado. Da sua obra destacam-se Poemas inéditos, Poesias Completas e Poemas in Orpheu 2 e outros escritos. O poeta morreu em Lisboa no dia 14 de agosto de 1921.