segunda-feira, 4 de junho de 2018

Três poemas de Sérgio Campos




RUÍNAS HORIZONTAIS

1.
a casa
é seus arredores

                anjos degolados
                lagartos de metal
                sucata de gestos

vômitos
das claraboias

2.
a casa
é seus corredores
não suas janelas

janelas são mosaicos
                interiores


PÁSSARO

O pássaro é um pedaço de seu voo
Há o voo do pássaro e outro lado do voo
O ar é um pedaço do voo
é o outro lado do ar

O ar voa no pássaro
o pássaro é o outro lado do voo
As asas são o voo do ar
O pássaro é o outro lado do ar

O ar sem pássaro voa
O pássaro pousa no ar
O pássaro é o pouso do ar

A morte do pássaro no ar
é o outro lado de seu voo

O pássaro morto é seu voo pousado na morte


ELOGIO DA SOMBRA

Do buraco à sombra
tudo são inverno
são elegia
no pórtico da noite vertical

Sucumbiremos nela
palco da beleza serena
com nossas abstrações velhas
e nosso horror à realidade

Poetas loucos
músicos surdos
pintores cegos
                - do que é feita a arte

sucumbiremos
para renascer
sem calendário e roda
                de fiar

Sérgio Campos nasceu no Rio de Janeiro em 1941. No espaço de dez anos, publicou exatamente doze obras. Sua estreia em livro individual aconteceu, em 1984, com A casa dos elementos, composto por seis odes (ao mar, à terra, ao fogo, ao ar, aos quatro ventos elementares e aos quatro pássaros elementares) e um soneto ao Pássaro Anael. Os outros títulos foram:  Bichos (1985); Ciclo amatório  (1986); Montanhecer (1987); Nativa idade, (1990); O lobo e o pastor (1990); As iras do dia, (1990); Móbiles de sal (1991); A cúpula e o rumor (1992); Leitura de cinzas (1993), Mar anterior - poesia selecionada e revista 1984/94 (1994). O poeta morreu em 1994.