segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Dois poemas de Zbigniew Herbert


JONAS                      

Deparou pois o Senhor um grande peixe para que tragasse a Jonas


Jonas filho de Amithai
fugindo de uma missão perigosa
embarcou numa nau que navegava
de Joppen a Tharsis

depois se deram as coisas sabidas
um grande vento uma tempestade
a tripulação joga Jonas nas profundezas
e o mar se aquieta de seu furor
vem nadando o peixe previsto
três dias e três noites
Jonas ora nas entranhas do peixe
que por fim o vomita
na terra seca

o Jonas contemporâneo
afunda como uma pedra na água
se topa com uma baleia
não tem tempo nem de suspirar

salvo
procede mais astutamente
que o seu colega bíblico
pela segunda vez não aceita
a missão perigosa
deixa a barba crescer
e longe do mar
longe de Nínive
sob um nome falso
é comerciante de gado e antiguidades

os agentes do Leviatã
se deixam subornar
não têm o sentido do destino
são funcionários do acaso

num hospital asseado
morre Jonas de câncer
ele mesmo sem saber bem
quem era na verdade

a parábola
aplicada na sua cabeça
se extingue
e o bálsamo da alegoria
não afeta o seu corpo


SOBRE A ROSA

para Tadeusz Chrzanowski


1
A doçura tem nome de flor

Tremem os jardins esféricos
suspensos sobre a terra
o suspiro vira a cabeça
a face do vento perto da paliçada
a relva se estende baixa
o tempo de expectativa
a chegada extinguirá os cheiros
a chegada abrirá as cores

as árvores constroem a abóbada
da quietude verde
a rosa te chama e tem saudade
de ti a borboleta colhida
rompe-se um fio trás o outro
passa um instante trás o outro
ó larva verde de botão
desabroche

a doçura tem um nome: rosa

a explosão
de dentro saem
os porta-estandartes de púrpura
fileiras incontáveis
os trombeteiros das fragrâncias
nas longas trombas de borboletas
proclamam a plenitude

2
as coroações intrincadas
os claustros da oração
as cerimônias cheias de ouro
os candelabros chamejantes
as triplas torres do silêncio
os raios refratados nos cumes
o fundo –

ó fonte do céu na terra
ó constelações de pétalas

*
não pergunte o que é uma rosa Um pássaro talvez a narre
a fragrância mata os pensamentos a face com o leve roçar apagada
ó cor do desejo
ó cor das pálpebras que choram
a doçura esférica grávida
o vermelho rasgado até as entranhas

3
a rosa inclina a cabeça
como se ombros tivesse

se apoia no vento
mas o vento se vai sozinho

não conseguirá pronunciar uma palavra
não conseguirá pronunciar uma palavra

quanto mais morre a rosa
mais difícil é falar sobre a rosa

Zbigniew Herbert nasceu em Lviv, na Polônia (região hoje integrada a Ucrânia) no dia 29 de outubro de 1924. Poeta, dramaturgo e ensaísta, autor de obras reconhecidas como Facho de luz (1956), Hermes, o cachorro e a estrela (1957), O estudo do objeto (1961), Um bárbaro no jardim (1962) e Um labirinto à beira-mar, publicado postumamente em 2000. Herbert morreu em 28 de julho de 1998, em Varsóvia.

*Traduções de Piotr Kilanowski publicados inicialmente na revista Qorpus.



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