segunda-feira, 18 de março de 2019

Quatro poemas de Katherine Mansfield




Houve em tempos um rapaz.
Ele vinha brincar no meu jardim;
Era bastante pálido e calado.
Mas, quando sorria, eu sabia tudo sobre ele,
Sabia o que trazia nos bolsos,
E sabia o toque das suas mãos nas minhas mãos
E as inflexões mais íntimas da sua voz.
Levei-o por todos os caminhos secretos,
Para lhe mostrar o esconderijo dos meus tesouros.
Deixei-o brincar com eles, cada um deles,
Fechei os meus pensamentos melodiosos numa gaiolinha de prata
E dei-lhos, para que os guardasse…
O jardim era muito escuro
Mas nunca suficientemente escuro para nós. Atravessávamos em bicos de pés as [sombras mais profundas;
Banhávamo-nos nos remansos de obscuridade sob as árvores,
Fingindo que estávamos no fundo do mar.
Uma vez – perto do limite do jardim –
Ouvimos passos que percorriam a estrada do Mundo;
Oh, como ficamos assustados!
Murmurei: “Alguma vez passaste por aquela estrada?”
Ele assentiu com a cabeça, e sacudimos as lágrimas dos nossos olhos…

Houve em tempos um rapaz.
Ele vinha – sempre sozinho – brincar no meu jardim;
Era pálido e calado.
Quando nos conhecemos, beijamo-nos,
Mas, quando se foi embora, não nos despedimos sequer com um aceno.


O HOMEM DA PERNA DE PAU

Havia um homem que vivia muito perto de nós
Tinha uma perna de pau e um pintassilgo numa gaiola verde
Chamava-se Farkey Anderson
E tinha estado numa guerra para arranjar aquela perna.
Sentíamos muita pena dele
Pois tinha um sorriso tão bonito
E era um homem tão grande a viver numa casa mesmo pequenina
Quando ele andava na rua a sua perna não fazia grande diferença
Mas quando andava na sua casa pequenina
Fazia um barulho horrível.
O Irmãozinho dizia que o pintassilgo dele cantava mais alto do que todos os outros pássaros
Para o homem não ter de ouvir a sua pobre perna
E ficar demasiado triste com isso.


MALADE

O homem no quarto ao lado
Tem a mesma doença do que eu
Quando acordo de noite ouço-o a virar-se
E depois ele tosse
E eu tusso
E ele tosse de novo –
Isto prolonga-se por muito tempo –
Até eu sentir que parecemos dois galos
Que se chamam um ao outro num falso amanhecer
Em recônditas quintas distantes.


CHEGADA

Parece que passo metade da vida a chegar a
                                                                               hotéis desconhecidos –
E a perguntar se me posso ir já deitar.
E não se importa de encher a minha botija de água quente
Obrigada, assim está perfeito.
Não, não vou precisar de mais nada –
A porta desconhecida fecha-se sobre aquele desconhecido
E enfio-me depois entre os lençóis
À espera de que as sombras saiam dos recantos
E teçam uma longa, longa teia
Sobre o papel de parede mais feio de todos.

Katherine Mansfield nasceu no dia 14 de outubro de 1888 em Wellington, Nova Zelândia. Reconhecida como contista desde a publicação de seus primeiros textos nessa forma literária na revista do colégio onde estudava. Suas incursões pela poesia aparecem no volume Poems, em 1923, mesmo ano da sua morte em 9 de janeiro em Fontainebleau, na França.

* Traduções de Inês Dias.  

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