segunda-feira, 13 de maio de 2019

Dois poemas de Murilo Rubião




AUSENCIA

Para que fugir si me acompanhará sempre a minha sombra?
si nunca encontrarei na solidão dos caminhos o silêncio!
Por todos os lugares, em toda a minha inutil existência
o éco da minha voz, a tortura do meu pensamento,
estarão onde eu fôr, mostrando-me o passado de que não posso fugir.
Verei nos lírios entornados à beira das estradas
a imagem de duas brancas mãos que um dia me acariciaram;
sentirei no crepúsculo sanguíneo das tardes exangues
os labios que me sussurravam ao ouvido,
os labios que não cansava de beijar.
Em tudo que eu pensar, em tudo que pousar meus olhos,
verei projetado, como uma sombra enorme,
a cobrir o meu corpo cansado de caminhar
um rosto de mulher, o rosto de minha amada!
E na tortura de alcançá-la nos meus sonhos impossiveis
eu a procurarei nos astros, na tranquilidade dos campos;
buscarei com os braços fatigados a sua visão fugidia...
E encontrarei apenas a minha voz angustiada,
os meus olhos extenuados pela procura da luz perdida,
a recordação pungente de um sentimento sempre revivido,
a minha dor imensa cobrindo as estradas
cheias de lírios, de silêncio, de luar...

* Revista Tentativa, Belo Horizonte, n. 8, nov. 1939.


POEMA

Se viajar, não voltarei mais.
Deixarei os ciprestes,
esquecerei os olhos azuis.
As crianças que brincaram,
que se consumiram no tempo,
ficarão sozinhas no meu coração.

Haverá um principio de ternura,
uma saudade de folhas cortadas,
de recortes de jornais velhos.

Esconderei meu rosto na chuva —
os pés molhados, as uvas maduras,
os olhos muito abertos,
esperando lagrimas, sortilegios,
truques de saudade.
Saudade de um gato e de uma mulher.

Não voltarei mais, nem me esquecerei.
Os olhos de um gato, fim de estrada,
a mulher se decompondo num sorriso.

Fim de estrada, morte para quem viajou;
morte para os sinos das igrejas novas,
para os noivos que seguiram alegres.
Meu coração se encherá de crianças tristes,
de velhas estampas, de gestos humildes.

* Folha de Minas, Belo Horizonte, 07 jan. 1945.

Murilo Rubião nasceu a 1º de junho de 1916 em Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas, Minas Gerais. Foi funcionário público, chefe de gabinete de Juscelino Kubitschek no governo de Minas Gerais e adido à embaixada brasileira. Como jornalista, criou em 1966 o Suplemento literário do Diário Oficial do Estado de Minas Gerais. Mestre do conto, publicou O ex-mágico (1947), A estrela vermelha (1953), Os dragões e outros contos (1965), O pirotécnico Zacarias (1974), O convidado (1974), A casa do girassol vermelho (1978) e O homem do boné cinzento e outras histórias (1990). Sabe-se que, além de contos, Rubião escreveu crônicas e poemas. Desse último gênero ainda organizou dois livrso que dedicou a uma namorada; o fim do namoro fez com que o incipiente poeta destruísse os livros. Dessa lavra terá restado os dois poemas aqui apresentados; são textos que estão preservados no arquivo do escritor na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. A transcrição dos textos segue a oferecida por Suzana Yolanda Lenhardt Machado Cánovas nos anexos de sua tese O universe fantástico de Murilo Rubião à luz da hermenêutica simbólica (Porto Alegre, 2004). Murilo Rubião morreu em Belo Horizonte, a 16 de setembro de 1991.

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