terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Dois poemas de Armando Freitas Filho




CORPO

Acrobata enredado
em clausura de pele
sem nenhuma ruptura
para onde me leva
sua estrutura?

Doce máquina com engrenagem de músculo
suspiro e rangido
o espaço devora
seu movimento
(braços e pernas
sem explosão).

Engenho de febre
sono e lembrança
que arma
e desarma minha morte
em armadura de treva.


DEPOIS DE A. C.

Sua morte
é o recreio desta.
Ao virar uma piscina
pelo avesso, até o fim
como uma luva para sentir, ouvir e tocar
o último concerto
de um azulejo solo
com os olhos secos
e as mãos nuas
sem água sequer para lavar
o chão de sangue pisado
o mármore do deserto
muito longe da natureza
como também este gosto
de versos-ferro
forte, na boca
e lembranças de música
alheia e casual
feita com latas e precipitação.
O que ficou
foi pedra sobre pedra
 significando nada
pois o mar e as lágrimas
estão a mil milhas daqui
e o palácio do telefone
de luto fechado.
De lá, de onde você me ligava
deste lugar ladrilhado
por um só ladrilho
sobraram
suas mãos cruzadas com muito luxo
beijos na boca do infinito
e a solitária luz de um anel.

Armando Freitas Filho nasceu no Rio de Janeiro a 18 de fevereiro em 1940. É autor de Palavra, DualÀ mão livre3x4 (livro com o qual ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia em 1986), De corNúmeros anônimosFio terra (Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional, 2000), entre outros livros.

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