segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Dois poemas de Francisco Bugalho




Obsessão

Dentro de mim canta intenso
Um cantar que não é meu.
Cantar que fica suspenso
Cantar que já se perdeu.

Onde teria eu ouvido
Essa voz cantar assim?
– Já lhe perdi o sentido,
Cantar que passa, perdido,
Que não é meu, estando em mim.

Depois, sonâmbulo, sonho
Um sonho lento, tristonho,
De nuvens a esfiapar.
E novamente, no sonho,
Volta de novo a cantar.

Sobre um lago onde, em sossego,
As águas olham o céu,
Roça a asa de um morcego…
E ao longe o cantar morreu…

Onde teria eu ouvido
Essa voz cantar assim?
– Já lhe perdi o sentido,
E esse cenário partido
Volta a voltar repetido,
E o cantar recanta em mim…

Glória

Vive dentro de mim um mundo raro
Tão vário, tão vibrante, tão profundo
Que o meu amor indómito e avaro
O oculto raivoso ao outro mundo

E nele vivo audaz, ardentemente,
Sentindo consumir-se a sua chama
Que oscila e desce e sobe inquietamente;
Ouvindo a minha voz que por mim chama

Em situações grotescas que me ferem,
Ou conquistando o que meus olhos querem:
Príncipe ou Rei sonhando com domínios.

Sinto bem que são vãs pra me prenderem
As mãos da Vida, muito embora imperem
Sobre a noção real dos meus declínios.

Francisco Bugalho, nasceu no dia 26 de julho de 1905, no Porto. Estou direito em Coimbra, onde conviveu com o grupo de escritores da revista Presença. Foi funcionário no registo predial de Castelo de Vide, no Alentejo, onde viveu. Além da revista de Coimbra colaborou com os Cadernos de poesia. Morreu no dia 29 de janeiro de 1949.

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