terça-feira, 17 de março de 2020

Três poemas de Lea Goldberg traduzidos por Cecília Meireles




A ÁRVORE CANTA PARA O RIO


Tu que levaste meu outono aureolado
recolhendo meu sangue nas folhas mortas,
tu que verás minha primavera, pois ela volta,
quando chegar a estação do ano.

Rio, irmão meu, tu que te perdes para sempre
novo todos os dias, e outro e o mesmo,
a correnteza, meu irmão entre as margens
corre como eu entre a primavera e outono.

Pois eu sou a borbulha e sou o fruto,
o meu passado sou e meu futuro,
sou o tronco a si mesmo abandonado
e tu – tu és meu tempo, meu poema.



O RIO CANTA PARA A PEDRA

Beijei a pedra em seu sonho gelado
porque eu sou o cântico e ela, o silêncio,
porque ela é o enigma e eu quem o propõe,
porque ambos fomos talhados da mesma eternidade.

Beijei a pedra, sua carne solitária,
ela é jura de fidelidade e eu o infiel.
Eu sou o efêmero e ela o permanente, e
ela, o segredo da criação – eu, sua revelação.

Eu via que tocava no coração do mistério:
eu sou o poeta ela é o universo.


SOU

Sou única no firmamento
e múltipla dentro do abismo.
Do fundo rio me contempla
a imagem refletida.

Sou a verdade no firmamento,
sou o imaginário abismo.
Do fundo do rio me contempla
a minha imagem, no seu enganoso destino.

Lá no alto estou rodeada de silêncio;
no abismo sussurro e canto.
No firmamento sou um deus,
no rio sou uma oração.
  


Lea Goldberg nasceu a 29 de maio de 1911 em Königsberg / Kaliningrado (Rússia). Estudou na universidade de Kaunas, na Lituânia e depois na Universidade de Bonn, na Alemanha, onde se especializou em filosofia e línguas semíticas, área, esta última, na qual concluiu seu doutoramento em 1933. Na Lituânia, foi professora de literatura; emigrada para a Palestina, em 1935, formou parte do grupo Yahdav, então constituído pelos poetas Abraão Shlonsky e Nathan Alterman. Estabelecida em Tel Aviv, foi consultora literária, editora da Biblioteca dos trabalhadores, professora na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde chegou a dirigir o departamento de literatura comparada. Sua obra poética é vastíssima e, além de poesia, escreveu prosa (novela, contos, forma a que se dedicou em exclusivo para as expressões da literatura para crianças). Morreu a 15 de janeiro de 1970 em Jerusalém.

* Traduções: Cecília Meireles.


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