A ÁRVORE CANTA PARA O RIO
Tu que levaste meu outono aureolado
recolhendo meu sangue nas folhas mortas,
tu que verás minha primavera, pois ela volta,
quando chegar a estação do ano.
Rio, irmão meu, tu que te perdes para sempre
novo todos os dias, e outro e o mesmo,
a correnteza, meu irmão entre as margens
corre como eu entre a primavera e outono.
Pois eu sou a borbulha e sou o fruto,
o meu passado sou e meu futuro,
sou o tronco a si mesmo abandonado
e tu – tu és meu tempo, meu poema.
O RIO CANTA
PARA A PEDRA
Beijei a
pedra em seu sonho gelado
porque eu
sou o cântico e ela, o silêncio,
porque ela é
o enigma e eu quem o propõe,
porque ambos
fomos talhados da mesma eternidade.
Beijei a
pedra, sua carne solitária,
ela é jura
de fidelidade e eu o infiel.
Eu sou o
efêmero e ela o permanente, e
ela, o
segredo da criação – eu, sua revelação.
Eu via que
tocava no coração do mistério:
eu sou o
poeta ela é o universo.
SOU
Sou única no
firmamento
e múltipla
dentro do abismo.
Do fundo rio
me contempla
a imagem
refletida.
Sou a
verdade no firmamento,
sou o
imaginário abismo.
Do fundo do
rio me contempla
a minha
imagem, no seu enganoso destino.
Lá no alto
estou rodeada de silêncio;
no abismo
sussurro e canto.
No
firmamento sou um deus,
no rio sou
uma oração.
•
Lea Goldberg
nasceu a 29 de maio de 1911 em Königsberg / Kaliningrado (Rússia). Estudou na
universidade de Kaunas, na Lituânia e depois na Universidade de Bonn, na
Alemanha, onde se especializou em filosofia e línguas semíticas, área, esta
última, na qual concluiu seu doutoramento em 1933. Na Lituânia, foi professora
de literatura; emigrada para a Palestina, em 1935, formou parte do grupo Yahdav,
então constituído pelos poetas Abraão Shlonsky e Nathan Alterman. Estabelecida
em Tel Aviv, foi consultora literária, editora da Biblioteca dos trabalhadores,
professora na Universidade Hebraica de Jerusalém, onde chegou a dirigir o
departamento de literatura comparada. Sua obra poética é vastíssima e, além de
poesia, escreveu prosa (novela, contos, forma a que se dedicou em exclusivo
para as expressões da literatura para crianças). Morreu a 15 de janeiro de 1970
em Jerusalém.
* Traduções:
Cecília Meireles.
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