INTERROGAÇÃO
Ao Lagoa
Henriques
Ao Carlos Amado
Ao Carlos Amado
Estar morto
E ainda verde,
Como as primeiras folhas
Caídas no Outono,
Seré ese
O destino
Dos Poetas?
E ainda verde,
Como as primeiras folhas
Caídas no Outono,
Seré ese
O destino
Dos Poetas?
SOPRO!
Loucura?
fome de beijos?
Diuturna
alegoria
para a boca
que se sabe
permanentemente
fria.
PARA UM NOVO
LIVRO DE CESÁRIO VERDE
Ao Sebastião Fonseca
Eles tomam
cerveja, ambrosia, licores,
oleosos,
sagrados como discos lunares.
Do azul da
gravata ou da fímbria das ondas
retiram
pensamentos ociosos e puros.
Recolhem-se
de noite às oliveiras mansas
duma
infância passada em louco desafio.
Ou então,
nos portais, em amoroso convívio,
fingem que
já não temem a noite nem o frio.
Já não têm
família e mastigam, sozinhos,
um jovial
jantar, colorido e minúsculo,
que haviam
de comer, num domingo qualquer,
entre amigos
cantando, entre mulheres amando.
Têm as
caudas leves e subtis dum peixe,
têm um
planeta adormecido e exangue,
têm os olhos
líquidos, de asfódelo ou de cobre,
esses seres
mitológicos que asfixiam a Terra.
São eles que
caminham, irreais e aos tombos,
pondo nódoas
de espanto por cima dos telhados.
Eles é que
me deram o título deste poema:
A Cidade
Está Cheia de Homens Assassinados.
•
Raul de
Carvalho nasceu a 4 de setembro de 1920 em Alvito, Baixo Alentejo, Portugal.
Sua obra foi reconhecida por Jorge de Sena entre os cem melhores poetas do
século XX português; mais tarde, Eduardo Lourenço considera-o herdeiro de
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa). Foi colaborador com as
revistas Távola Redonda e Cadernos de poesia. Com António Ramos
Rosa e outros criadores fundou o período Árvore e foi co-diretor desta publicação
de 1951 a 1953 – depois encerrada pela censura. Publicou 25 títulos, dentre
eles, As sombras e as vozes (1949), Tautologia (1968), Tudo é
visão (1970), Poemas inactuais (1971), A casa abandonada
(1977), Duplo olhar (1978), Um mesmo livro (1984). Morreu a 3 de
setembro de 1984 no Porto.
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