O GUESA, O ZAC
Quando
moveu-se d’indomável toiro.
O imenso
umbror, que a massa tenebrosa
Passava
devastando qual peloiro
E em
terremoto as zonas dolorosas
Demolindo ― qual
braços, denso o obscuro
Mugem
vivos fatais demolidores...
― Vedes? ―
Vejo... se não que do futuro.
Faz-se o
eterno clarão. Quando, entre horrores,
Do
Paraguai ouviu-se incompreensível.
Negro
instrumento sanguinário e louco
Dos
destinos: que soava a hora terrível
Da
escravidão pensara-se bem pouco.
Ao México
o gentil Maximiliano
Circunavegador
d’Áustria novara:
Tendo
conquista o ditador Solano,
Do áureo
Brasil, América oscilara.
Em Cuba, a
Espanha; o trono d’Inglaterra
No Canadá;
nas costas do Pacífico
O ibério
insulto ― ardia a Cordilheira;
E a sós,
no Atlântico, Washington magnífico.
(E o Cidadão
Americano à Espanha
Real
bombardeará... Vereis o Atlântico
Em fogo, a
pedir arras das campanhas
De tanta
crueldade. Aos céus o cântico!)
E a
tríplice aliança resistindo
A invasão
barb’ra ao brasileiro sólio:
A justiça
diríeis inquirindo...
A escrava
esfinge? ou o livre capitólio?
Sublime
aliança! Osório, Flores, Mitre,
Que altos
fora do alcance das loucuras,
Trovejasse
Humaitá tênebro alvitre,
Defendiam
Américas futuras.
Sem
vinganças dos seus morrer primeiro―
E só
quando saíam do entrevero
Choravam
pelos mortos, os soldados
Sempre do
coração acompanhados.
Belas
platinas águas! torvas distantes
Pela
ondada de sangue que rolava.
Como a
escola dos dias mais distantes
Da
brasileira pátria em vós estava!
Sai do
grêmio central um celerado
Que
fanatiza a um povo delirando
Por
ambição fatal: é condenado,
Revolução
de luz justificando.
Sai do
grêmio central um celerado
Que
fanatiza a um povo e delirando
Por
ambição fatal: é condenado,
Revolução
de luz justificando.
O Imperador
a Monroe ofendia
Pela
segunda vez: para as princesas
Contratava
d’Europa, dinastias
Sangue
puro, consortes das realezas.
Americana
humilhação: dos cumes
Os vulcões
estalavam de ciúmes
Inquirindo
dos céus a divindade,
Se nos
Césares? se na Liberdade?
Mas, vindo
a recolher um d’Orleans
C’roas dos
heróis nossos, a centelha
Viu-se
pátria acender e tão vermelha
Que muito
perto creram-se as manhãs.
Ah! que
são necessários longos anos
A formar o
caráter das nações:
Desçam, do
povo herdeiros, os tiranos,
Subam
livres eleitos: ascensões
Dos novos
mundos. Toda aprenda a terra
Do
cristianismo a verdadeira glória
Encantadora
ideal ― de paz a guerra
Que hinos
combatem, lírios hão vitória.
Grandioso
rio! abençoado clima
Aonde
agora do Guesa os cantos voam
Mudando as
cores do pampeiro à estima
Que os
Andes têm e harmônicos ressoam.
Corda
aeneal prendida nos dois pólos,
Vibrada
aos dois oceanos. Quão risonhos
Stão das
margens os cisnes alvos colos
Sobre as
ondas mirando qual os sonhos!
Buenos
Aires primeira independente,
À direita
do estuário ao ocidente
Montevidéu,
oriental cidade
Arrufos
d’assas de oiro e liberdade ―
Ai!
magnânima linda, separada
Sensitiva
do império! ora saudada,
À União do
sul, sensata irmã mais velha
Vereis
voltar, que é da fronteira a estrela;
Cortesia
gentil de Ituzaingo,
Bela
rebelde que a família tua
Alembras,
qual um dia de domingo,
A
liberdade à escravidão que estua.
Que é do
colosso corpo de gigante
Cabeça
divinal; em cicatriz
Do sangue
novo à jugular atlante
Riograndense!
―
Quem contrário diz.
Lá vêm as
trevas, mente! Auro-opalisa
Dos céus a
face e branda e carinhosa:
Ao sussurro
fluvial, platina brisa
Soprando, a
alma de vós quando é saudosa!
Aqui nos
deixam os amigos nossos,
Os chilenos
leais. Como formosos,
Longes, os
alvos lenços coruscantes,
Ascenam
Margarida e os dois amantes!
Vós filhos
seus, Henrique e Carolina,
Direis lá
que por vós, a quem tanto amo,
Saudar venho
a fronteira cisplatina
De quem
aliança para os meus reclamo.
Terras de
promissão, que ainda não entre...
Adeus! o
coração que tem-vos dentro
E voltara,
no amor já dilacera
Como quando
bradava e mais sofrera,
Adeus!
adeus! Meditativo e triste,
Ora as águas
do Império (pouca esp’rança,
E muita
crença) entrava. Nunca viste
Longes,
coroas d’espuma que a bonança
Fizera à
roda alvejam reluzentes
De um
promontório onde há farol, na aurora
Branca de
luz, separando-se as correntes?
E’, do
passado e do futuro, esta hora.
E o futuro
chegara. Vejo o encanto
Das rosas do
Senado em Treze-Maio:
Se a aberto
coração é doce o pranto,
Há daí o
livre Novembral o raio.
...............................................................
Mas, revoltam!
dos novos libertos
Cai a
glória?... estonteiam incertos...
... Está
Guanabara ecoando trovões!
Crianças,
mostram (por que não lutaram)
Que lutar
querem, sabem. E olharam
À pátria
ideal todas outras nações ―
Lhe abre a
história o Dentista ― ao Setembro.
O primeiro;
Deodoro ao Novembro:
E as duas
cabeças de Dom Portugal
Cortam, e as
repatriam ouvintes
Das mil
forças das constituintes
Dos dois
Benjamins Constants. Vede o mal.
Paraguai,
pela aliança é remido:
Vencedores,
amor ao vencido ―
Na terra é
quem vence, favor por favor:
A toirada
era a escola. Beberam
Glória: e à
pátria voltando, tremeram
De ver-se ao
inventário de um outro “senhor”,
Lá! foi lá
que, os aliados lutando
Dias,
noites, Deodoro viu, quando
Às sedes que
os pútridos pântanos dão,
No
embrenhado d’ingrata peleja
Viu, da
espada que em chamas lampeja.
Da pátria
futura brilhar a visão.
Deus, que às
pátrias de Amarca há destinos,
Se homens
vãos convertera a meninos
Que aos
mitos sagrados adoram de um rei;
Ora aos
fortes varões animara
Das virtudes
―
que inatas mostrara
Aqui
encontradas co’os oiros de lei.
Áureo
cântico, às festas de glória
Vêm
Chilenos; Cochrane há Vitória;
Fiscal ilha
Atlântida: à corte imperial
Cai o leque
das mãos da Princesa,
Que
sorriu-te: oh! dolentes surpresas!
Das do
Imperador caiu o cetro ― fatal!
Ventarola ―
vingança... Os incréus
Cetros sendo
dos seus reis, seus réus ―
Sodoma,
Adam, Gomorra, Saboim, Segor,
Treme toda
Pentápolis! ―
Eia!
Desce, ó
anjo dos céus! Incendeia!
Purifica a
terra e no fogo e na dor!
E os do
Império despojos doirados
Nem dos
nobres são mais amparados,
Fantasmas da
noite, se o dia aclarou
Nem justiça
dos céus existira ―
Mas, existe
e das sombras, luzira
Da trágica
máscara ―
e Deus trovejou.
...............................................................
Há rumores
(das nuvens a reza
Nessa noite
que finda a realeza)
Da terra nos
seios, nas sombras do mar:
Claras
frontes, o sono despertam,
Cruzam
vozes, que aos fortes libertam,
Que está a
Inconfidência no espaço a bradar!
Dos
verdugos, cristã descendente
Doce e
humilde ―
que suba a Regente
À
posteridade coroada de luz:
Dos escravos
o trono quebrando,
Se o dos
livres s’está levantando
De ferro
fundido co’as formas da Cruz.
Tiradentes,
o grande Martírio
Bem honrada
a quer cândido círio
Nas asas
ardentes da Revolução.
Tal começa a
nova era o Dentista,
Sagrada a
boca à bela conquista
Dos dentes
divinos. ―
Ao leal Cidadão,
Forças
d’armas, os povos uniam,
Ruas vivas
as praças enchiam,
Co’o sol
batalhões emulavam: sorrir
Do astro,
sempre que ruem Bastilhas,
Vejam que há
naturais maravilhas
À fronte dos
homens em glória a luzir.
Nem um ódio:
do Império se arreiam
Coronários;
e laureais hasteiam
As
republicanas bandeiras da Cruz
No verde e
oiro da terra encravado
Celeste
azul, branco, encarnado ―
União de
“Libertas”, que às crenças conduz.
Vem o
Império salvar, um ministro
De Dom
Pedro... ao assombro e sinistro
Aponta o
revólver ao peito do Herói:
Falha o fogo;
ora, o ferem; cai ele:
Mas Deodor o
cavalo propele
Bradando,
“não o matem!” ... Sublime! Tal sói
Em tal
guerra; e de um chefe tão nobre
A vitória
sinala e descobre
O vulto
irradiante, glorioso, imortal.
Bocaiúva a
Ouro-Petro amparava,
Ante as
tropas, Constant declarava,
Estar
garantida a família imperial.
Toda a
grande cidade à bela hora
Qual os
mares espumam na aurora,
Ditosa
elevada nova alma aclarou:
O horizonte
vestindo de flores,
Cor nenhuma
turbara a terrores
Os hinos
brilhantes que a pátria entoou.
Ora, o sol
de rubis sobre o ocaso
Despediu-se
do Império, que o prazo
Vencera em
seu posto. De noite se ouvia:
Que
tranqüila repoise a cidade;
Batalhão
velador, liberdade
Garante-lhe
a paz. E o pregoeiro rugia:
“Ai do
ousado que arrombe uma porta!”
De tal modo
a família conforta ―
Brasílio
novo Éden em seu despertar.
Já dos paços
reais se apagaram
Todas luzes;
já todos deixaram
Dom Pedro
aos destinos. Que triste embarcar!
Noite: às
sombras vapor “Alagoas” ―
Como “alaga”
aproando a Lisboas,
Suicida! ao sol
nado, a “aquarium” divisão,
Solta o rei,
pomba branca ― céus ― mares ―
Livre a leda
aninhou nos palmares ―
No espaço
aos revôos qual pátria bênção.
Doce idílio.
Eis que o assalta a verdade
O Órfão
Guesa a vã Majestade,
E o viu São
Cristóvão nos muros traçar
“Maneh ―
Tessel ―
Farés.” Impossível
(Murmurou)
centelhita ao incrível
Incêndio, a
que o mundo estremece, atear!
E ouve, ah!
ah! proscrevias Ovídio
E és agora o
proscrito! o subsídio
Que tu lhe
negaste prudente, o hás, que não
Tenhas fome
no exílio, ó Monarca,
Nem
saudades, que desta bela arca
Sofreu ele.
E cantas? estás doido então?
―
Volta à pátria! a toa c’roa, o teu cetro
Vem na praça
queimar! teu espectro
Catástrofe,
à Europa, ah! ah! vai fazer rir!
Não
dizias-te um Republicano?
Vem! vem ser
cidadão soberano
Da
democracia áurea pura a surgir!
Mas, “das
selvas o rei” soluçando,
Tardo e
velho, na dor se apagando,
Curvado nas
trevas entrou colossal.
Predissera-o
o Cantor. E a conduta
Do Timbira,
cruento na luta
Ora,
vencedor ―
quão piedoso e leal!
Depondo
armas no mesmo áureo dia,
―
Dos guerreiros letal nostalgia ―
Na paz da
Vitória ninguém chorou mais
―
Que dos júbilos nunca dormitem
Que altas
frontes idéias imitem
Dos fortes a
calma. Povo, como estais!
•
Joaquim de
Sousândrade nasceu a 9 de julho de 1833 em São Luís, Maranhão. Formou-se em
Letras pela Sorbonne, em Paris, onde fez também o curso de Engenharia de Minas.
Em 1870, mudou-se para os Estados Unidos, de onde viajou por vários países até
se fixar neste país no ano seguinte. O retorno ao Brasil se dá nos alvores da
república. Seu primeiro livro, Harpas selvagens data 1857. A obra pela
qual ficou reconhecido foi O Guesa, cuja primeira versão foi publicada em
Nova York em 1876; nela, o poeta trabalhou por mais de décadas e a edição definitiva
veio à luz em Londres, em 1888. Morreu a 21 de abril de 1902, na sua terra
natal. A obra permanecerá esquecida até o resgate na década de 1960 pelos
irmãos Campos.
* Esta é a continuação do Canto XII da edição inglesa de O Guesa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário