terça-feira, 7 de abril de 2020

Dois poemas de Osman Lins




MONÓLOGO DE CONGONHAS DO CAMPO

Ante a luz da tarde,
Um raio me trespassa
E me deixa mais vivo.
A eternidade se fez pedra
E ergue no silêncio de Congonhas,

sua voz de pedra.
(Ó luz crepuscular
Que trazes para as vestimentas dos profetas
Uma leveza de rosas sob a lua.)
É preciso chorar?
É preciso cantar.
Cantar, cantar,
Lançar pro alto as nossas vozes,
Como um jogral vestido de vermelho
E ao clamor dessas pedras,
Fundir nosso canto.
Nossa perecível canção.
Rios,
Dias e noites, tempo,
Invernos e verões,
Atravessai-me.
Eu fico de pé,
Os braços abertos,
Face a face com a eternidade,
Aqui visível.


POEMA SOBRE A MELHOR MANEIRA DE AMAR

As aves, silêncios mortos,
Se não vivem no seu cântico
E na cantiga mais plena
De seu voo aventureiro.
Condição fora de pássaro
Não trazer canto nem voo

Tão só pelos seus encantos.
Mas pelos novos mistérios
Que dela vos nascerão
E mais por encantos outros
Que podem nutrir-se dela.
Como havereis de viver
De certo modo insulano
Que morre sempre onde nasce?
Se no rosto se consome
O riso amado, se morre
Sem liberar nossos cantos,
Se não colhemos dos gestos
A beleza mais secreta;
Se não sentis que ela abre
O ventre dessa mulher,
Que rompe uma fonte clara
De seus quadris intocados;
Se não sonhais que latejam
No seio duas vermelhas
Flores, tépidas e mansas,
Gotejando o seu desejo,
Se nos ombros nus não pousam,
Cometas, raios de Lua,
Pássaros, réstias, besouros,
Não vos acresce esse amor
Nem desse amor vivereis.
Amai o flanco ondeante,
Sua face transmutável,
A voz nua, os pés descalços,
Pela rosa de caminhos
Que seu corpo despetala.
O anúncio das viagens:
Isto amai em seus caminhos.
Mas não ameis à mulher
Tão só pelos seus encantos,
Que isto seria conter
Sua beleza mais plena,
A beleza transbordada
De sua carne tangível.
Mulher bela, corpo amado,
São pontos iniciais
Para viagens mais belas.

Osman Lins nasceu a 5 de julho de 1924 em Vitória de Santo Antão. Professor universitário, especialista na obra de Lima Barreto, se destacou por romances como Avalovara (1973), peças como Lisbela e o prisioneiro (1961) e contos como os reunidos em Nove, novena (1966). Sua obra poética é esparsa. Difundida principalmente em jornais foi mais tarde catalogada por Cristiano Moreira e organizada por Ana Luiza Andrade em Imprevistos de arribação. Osman Lins morreu no dia 8 de julho de julho de 1978 em São Paulo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário